Deputado guineense detido com cocaína em Lisboa queixa-se de “conspiração política” e é absolvido
O deputado da Guiné-Bissau, Manuel Lopes, detido na posse de uma mala com 13 quilos de cocaína, no aeroporto português Humberto Delgado, foi, nesta terça-feira, absolvido do crime de tráfico de droga.
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O também ex-presidente da Federação de Futebol guineense alegou, no Tribunal de Lisboa, que tinha sido alvo de uma cilada política, promovida pelos atuais membros do Governo da Guiné-Bissau, e os três juízes, apesar da opinião diferente da Polícia Judiciária (PJ), consideraram a tese “plausível” devido à “instabilidade política” existente em alguns países de África. Os magistrados justificaram a absolvição de “Manelinho” também com “inconsistências da investigação”.
Mala “diplomática” escondia cocaína
Às 18.44 horas de 7 de maio do ano passado, o deputado desembarcou no Aeroporto Humberto Delgado, de um voo da TAP proveniente da Guiné-Bissau, e apresentou-se no corredor “Nada a declarar” da Alfândega. Ali, seria selecionado para um controlo aduaneiro dos bens e comunicou que tinha na sua posse 20 mil dólares. Mas recusou-se a abrir a mala que transportava.
Exibindo o passaporte que indicava que era deputado da Guiné-Bissau, Manuel Lopes alegava que se tratava de uma mala diplomática e telefonou para a embaixada a pedir ajuda. O advogado ao serviço do Governo guineense, Bebiano Lopes, dirigiu-se ao aeroporto, mas concluiu que a bagagem não tinha tal estatuto e disso deu conta às autoridades portuguesas.
Mesmo assim, Manuel Lopes, lê-se no acórdão desta terça-feira, “persistiu na recusa em abrir mala, tendo impedido que fosse sujeita a exame RX”. Nem quando os inspetores da PJ chegaram ao local cedeu e só quatro horas depois, pelas 23.30 horas, após uma conversa privada com o advogado da embaixada, entregou a mala.
Já na sala de controlo de bagagem, percebeu-se que esta transportava 13 embalagens, num total de 13 quilos, de cocaína e o deputado guineense foi detido.
“Conspiração política” para tramar crítico do regime
Já encarcerado na cadeia de Caxias, em Oeiras, “Manelinho” foi acusado de tráfico de droga, com o Ministério Público (MP) a requerer que fosse expulso de Portugal. Todavia, no Tribunal de Lisboa, o deputado garantiu “que toda esta situação teve origem numa conspiração orquestrada ao mais alto nível pelas autoridades políticas” do seu país, uma vez que “é crítico da atuação política dos principais responsáveis do regime”. Assegurou, inclusive, que o “próprio presidente da República da Guiné-Bissau” o ameaçou, dizendo 'que o ia tramar'”.
Durante o depoimento referiu ainda que logo após sair do avião, em Lisboa, “recebeu vários alertas no seu telemóvel, dizendo que tinha sido detido em Portugal” e que a mala carregada de droga foi-lhe entregue por um amigo, funcionário da TAP de nome Ivan Sampaio, “já depois de passar o controlo de RX”, no aeroporto de Bissau.
A mala, pelas indicações do amigo, transportaria mangas de faca, uma fruta típica, e era para ser entregue em Lisboa, a uma pessoa que o Ivan Sampaio identificou como “Zé”.
PJ não encontrou indícios de cabala
Também em tribunal, a inspetora da PJ Bárbara Coelho explicou que, interrogado na fase de inquérito, Ivan Sampaio negou a versão apresentada pelo deputado e o inspetor Alexandre Imperial sublinhou que as imagens de videovigilância mostraram que “Manelinho” já tinha a mala na mão quando entrou no aeroporto da Guiné-Bissau.
“No inquérito não se apuraram indícios de qualquer cabala política contra o arguido”, frisou o polícia.
Os juízes Rui Gameiro Alves, Pedro Fernandes Nunes e Sofia Franco Claudino defendem, no acórdão, que as versões do MP e do deputado são, “contraditórias entre si”, mas ambas “plausíveis”. Por um lado, salientam, o político guineense quis fazer crer que transportava uma mala diplomática e não permitiu que, durante quatro horas, esta fosse aberta. Não houve igualmente, sustentam “qualquer informação prévia à PJ quanto ao transporte de estupefacientes pelo arguido” e, também por isso, a conspiração denunciada pelo deputado “não foi corroborada por qualquer prova direta”.
Por outro lado, argumentaram os magistrados, as imagens de videovigilância do aeroporto não foram “juntas aos autos” e confirmou-se que “Manelinho” recebeu mensagens a anunciar a sua detenção ainda antes desta ter acontecido.
“Dúvida incontornável”
Para os juízes, “existem nos autos inconsistências de investigação que abrem caminho a que se instale uma dúvida incontornável sobre o que realmente sucedeu”. E “não permitem ao tribunal afastar, para além de qualquer dúvida, que a versão dos factos apresentada pelo arguido não seja a verdadeira, para mais, se nos ativermos ao conhecimento público de instabilidade política em alguns países de África”.
Concluíram, assim, que “não se provou que o arguido conhecia que no interior da mala se encontrava produto estupefaciente, e que quis transportar tal produto para Portugal”. “Desta forma, não resta outra solução ao tribunal que não seja a absolvição do arguido da prática do crime de que vem acusado”.
Pormenores
Dois passaportes
O deputado guineense tinha na sua posse dois passaportes quando foi detido, em Lisboa. Um com o nome Manuel Irénio do Nascimento Lopes, outro com o nome Manuel Irénio Lopes Nascimento.
Tentativas de sequestro
Manuel Lopes disse, em tribunal, que foi alvo de tentativas de sequestro, durante o mês de janeiro de 2022, por ser um crítico do Governo guineense.
Seguia para a Namíbia
O deputado esclareceu que o seu destino final da viagem era a Namíbia, país onde iria participar numa conferência internacional, mas não tinha bilhete de avião para aquele país. Alegou que iria comprá-lo em Lisboa, mas polícias e juízes ficaram com dúvidas.
Postura serena
“A postura do arguido em julgamento, o modo como as suas declarações foram prestadas, de forma serena e sincera, são objetivamente plausíveis”, afirmaram os juízes.