Uma amiga de um recluso foi detida, na última terça-feira, quando tentava entrar na cadeia de Custóias, em Matosinhos, com duas tiras de papel impregnadas de K4, a droga sintética que está a destabilizar muitas das prisões.
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Com 22 anos, a jovem confessou que tinha recebido o produto estupefaciente de uma pessoa, que não identificou, para entregar ao preso.
A rapariga chegou à cadeia de Custóias com o intuito de visitar um amigo condenado por tráfico de droga. Como sempre acontece, passou pelo detetor de metais e, em seguida, foi revistada. Nessa altura, a guarda prisional detetou que a visita escondia algo nas cuecas e exigiu que esta revelasse o que ocultava. A rapariga acabou por retirar duas tiras de papel, que iria entregar ao amigo recluso, durante a visita, para que este as levasse para o interior do estabelecimento prisional.
Os guardas prisionais suspeitaram, de imediato, que o papel que a rapariga escondia nas cuecas estivesse impregnado de K4, acionou a Polícia Judiciária (PJ) e foram os inspetores que detiveram a suspeita. Foi também a PJ que “submeteu os papéis a exame pericial”. “Esta Polícia concluiu estarem impregnados com canabinoides sintéticos, destinando-se ao consumo da comunidade reclusa”, descreve um comunicado da Judiciária.
A jovem, apurou o JN, confessou que os papéis impregnados de droga sintética lhe tinham sido entregues por uma pessoa pouco antes da hora da visita, para que fossem entregues ao recluso. Sem antecedentes criminais, a rapariga foi interrogada por um juiz e libertada.
Detetada em 2021
A K4 é uma droga cada vez mais presente nas cadeias portuguesas. Ainda no mês passado, a PJ realizou buscas na prisão de Paços de Ferreira e, no final das 18 buscas às celas, anunciou que “nos últimos meses, têm aumentado consideravelmente o número de apreensões de drogas naquele estabelecimento prisional, em especial de drogas sintéticas”, que têm “efeitos extremamente nefastos e muitas vezes imprevisíveis para a saúde humana e ameaçam seriamente a integridade física e psíquica dos consumidores”.
Em junho de 2021, uma reportagem do JN revelava que havia uma nova droga sintética a ser consumida no interior das prisões: a K4. Já nessa altura, a droga indetetável à vista desarmada, chegava aos reclusos embebida num simples papel de carta, era fumada e provocava surtos psicóticos nos consumidores, tornando-os extremamente violentos.
O primeiro alerta para esta droga surgiu num relatório de informações dos Serviços de Segurança, datado de 3 de maio de 2021 e distribuído pelos responsáveis das cadeias portuguesas, que dava conta de "substâncias apreendidas no estabelecimento prisional do Funchal identificadas como Fenmetrazina, estimulante de efeito semelhante às anfetaminas".
O mesmo relatório definia a K4 como um "canabinóide sintético, muito poderoso e que pode causar a morte" e explicava que a droga entra nas cadeias através de cartas endereçadas aos presos embebidas nesta nova substância. Na posse do papel, que pode conter o desenho de uma criança ou uma declaração de amor para afastar suspeitas, o recluso corta um pequeno pedaço, coloca algum tabaco no meio, enrola-o como se fosse um cigarro e fuma-o.
Surtos psicóticos e ataques de pânico
O consumo de K4 provoca comportamentos violentos e irracionais, agressividade e fúria, demonstrados através de surtos psicóticos, e ataques de pânico. Entre os reclusos sob o efeito desta nova droga foram identificadas, igualmente, paralisias, sobretudo das pernas e quadril, pesadelos
que levam a insónias e suor excessivo.
Também houve quem sofresse de náuseas, tremores, dores de cabeça, cansaço extremo, diarreia, vómitos e convulsões. Vários reclusos necessitaram de assistência médica depois de fumarem esta droga que, no meio prisional, tem várias denominações, entre as quais "ácidos", "spice" e "K2".
Folha A4 pode render 2000 euros
Terá sido uma troca de correspondência entre dois presos que desvendou o mistério da K4. Numa carta apreendida durante uma busca a uma cela da cadeia de Silves, um recluso detido noutro estabelecimento contava que o papel em que escrevia era “ganza que os rapazes estão a fumar”. “É igual a uma folha de caderno A4 de linhas e para fumar é picadinho, misturado com tabaco”.
O autor da missiva destacava ainda o elevado lucro que poderia ser obtido com o tráfico desta droga. “De cada linha da folha faz-se 15 pedaços... ao todo, dá 2000 euros”, assegurava o preso.
Este alertava, no entanto, para os perigos que a nova substância apresenta e aconselhava o amigo a não experimentar a K4. “A dependência é fácil e cria cancro. Por isso, fica longe disso e não fumes”, avisava.
Depois de terem conhecimento desta carta, os guardas prisionais começaram a prestar atenção aos pequenos pedaços de papel “cortados em linhas” encontrados em várias celas.