Diretor adjunto da PSP chama "criminosos" a polícias do Movimento Zero que divulgam suicídios
O diretor nacional adjunto da PSP acusou os membros do Movimento Zero, constituído de forma inorgânica e anónima por agentes da PSP e militares da GNR, de não terem "vergonha" e de se comportarem como "criminosos", por terem divulgado nas redes sociais a morte de dois polícias, em dois dias seguidos, por suicídio.
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"E a vossa consciência não vos pesa? Não sabem que estas publicações e postagens são formas de estimular o efeito mimético destas ações? Tenham vergonha criminosos", escreveu num comentário no Facebook, através do seu perfil pessoal, o superintendente Pedro Gouveia. Contactado pelo JN sobre o assunto, não se quis pronunciar.
Há muito que a literatura científica identifica um efeito mimético nos suicídios (tendência para imitar), que leva a Organização Mundial da Saúde, por exemplo, a recomendar que se não noticiem os suicídios. A recomendação, em geral, é seguida pelos órgãos de comunicação social, mas não vincula o universo desregulado das redes sociais.
Na quarta-feira, dia em que se celebraram os 158 anos da PSP, um agente da PSP, de 27 anos, foi encontrado morto por colegas no interior da Esquadra de Corroios, no Seixal, com a arma de serviço ao lado do corpo. A vítima ainda foi socorrida, mas o óbito acabou por ser declarado. O caso foi difundido pelo Movimento Zero, num texto que o associa a problemas laborais e culpabiliza a hierarquia e os governantes.
Já esta quinta-feira, o mesmo Movimento Zero divulgou a morte de outro agente, ocorrida da parte da manhã, no interior da Esquadra da Bela Vista, no Porto, e voltou a acusar as lideranças da PSP, o Ministério da Administração Interna e o Governo de estarem a "falhar". "Mais um suicídio, mais uma vida que não volta, mais uma família destruída, e vão continuar a fingir que está tudo bem?", questionam os militantes, anónimos, do Movimento Zero.
Segundo apurou o JN, o agente que morreu nesta quinta-feira andava na casa dos 50 anos e, na sequência da morte de um familiar próximo e de uma doença da mulher, atravessava um momento difícil, apesar de contar com acompanhamento psicológico, dentro e fora da PSP.
Tema preocupa
De 2010 a 2024, 107 polícias puseram termo à vida. Este ano, pelo menos, cinco agentes da PSP já fizeram o mesmo. O afastamento da família e o elevado número de divórcios entre os elementos das forças de segurança contribuem para uma maior prevalência de doenças mentais na PSP e GNR. E poderá ser uma das explicações para uma taxa elevada de suicídios nesta profissão. “Todos os estudos apontam para a interligação. A distância da família e um divórcio têm impacto na vida privada, profissional e na saúde mental de um polícia”, assegurou, numa recente entrevista, ao JN, o académico e polícia Miguel Rodrigues.
Já em outubro de 2023, numa conferência subordinada ao tema da "saúde mental nas forças de segurança: stress, burnout e suicídio", a então inspetora-geral da Administração Interna, que fiscaliza a atividade das forças policiais, afirmou que o número de polícias a morrer por suicídio é superior ao número de elementos que perdem a vida no cumprimento das funções policiais.
Salientando que o ser humano "não é segmentado", a juíza desembargadora Anabela Cabral Ferreira destacou que é importante identificar "o porquê destes preocupantes números". "Será o elevado stress? Situações de burnout por falta de instrumentos de gestão de stress? Será a facilidade do acesso ao meio letal? Será por razões que não têm que ver com a vida profissional?", questionou, frisando que a atividade desenvolvida pelos elementos das forças de segurança é "particularmente difícil".
"São-lhes exigidos sacrifícios que impactam com a sua vida familiar, com as horas de descanso e, por vezes, com a própria vida. Estão expostos a um grau de violência que a maior parte da comunidade não tem de enfrentar, trabalham por turnos, frequentemente deslocalizados da sua área de residência e submetidos a um escrutínio público quantas vezes implacável", referiu.
Durante a sessão, a agora ex-inspetora salientou o "fantástico trabalho" dos gabinetes de psicologia da GNR e PSP, mas frisou que é necessário continuar a desmistificar a ideia de que a saúde mental, a depressão e o burnout "são sinónimos de fraqueza".
Apoio
Se tem sintomas de depressão ou tem pensamentos de suicídio, utilize o Serviço de Aconselhamento Psicológico, integrado na linha telefónica do SNS 24, através do 808 24 24 24.