Doente que ateou incêndio no S. João falou antes de ser induzido em coma. Sinistro pode ser acidental ou ter origem em alucinações.
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"Quando acordei já estava tudo a arder. Não me lembro". Foi esta a resposta que o doente oncológico suspeito de ter ateado o incêndio no Hospital de S. João, no Porto, deu quando foi confrontado por inspetores da Polícia Judiciária (PJ), no final da tarde de domingo, no momento em que recebia tratamentos de urgência por parte de médicos e enfermeiros. A investigação já não tem dúvidas sobre a autoria do incêndio, porque as perícias já estabeleceram que as chamas partiram da cama do doente, que tinha um maço de tabaco e um isqueiro.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, quando detetaram o incêndio, uma auxiliar e uma enfermeira foram de imediato ao quarto, onde o alarme já disparara e já havia um fumo preto.
As duas profissionais chegaram a tempo de tirar pelos pés o doente, de 61 anos, residente em Matosinhos, que se encontrava caído no chão, mas consciente. Tiveram de lhe tirar toda a roupa, que estava em chamas, assim como uma fralda. O homem, que sofria de um cancro nos pulmões, com metástases já espalhadas pelo cérebro que lhe provocavam alucinações, foi logo levado para outro piso. O pessoal médico começou a tratar-lhe as queimaduras.
Coma induzido
Entretanto, chegaram inspetores da PJ do Porto que, por breves momentos, ainda puderam questionar o suspeito. À frente dos funcionários do S. João, este negou ter consciência de ter incendiado a cama, alegando ter acordado com o quarto já em chamas.
Dada a gravidade dos ferimentos, o doente foi, pouco depois, induzido em coma e internado num serviço de cuidados intermédios na Unidade de Queimados, de onde deverá sair este fim de semana para a enfermaria. Os médicos deverão, depois, tentar tirar o doente do coma induzido.
Só nessa altura e com autorização dos clínicos é que a PJ poderá tentar interrogar o suspeito, para esclarecer as circunstâncias em que ele ateou o incêndio.
As chamas foram detetadas cerca das 17.30 horas e dadas como controladas por volta das 19 horas. O doente estava numa enfermaria com outro paciente, esse acamado, que acabou por falecer. Estava sentado num cadeirão, junto da sua cama.
Ainda não se sabe se o doente estava a fumar e inadvertidamente incendiou a roupa da cama por descuido ou se teve intenção de o fazer, num quadro de desequilíbrio mental provocado pela doença. As alucinações que o afetavam faziam-no ver cobras na cama e poderá ter tido a intenção de as matar, com chamas. Só um interrogatório ao indivíduo, se o seu estado de saúde o permitir, poderá esclarecer qual era a motivação.
O incêndio propagou-se rapidamente, muito provavelmente devido ao ambiente rico em oxigénio que tinha naquela enfermaria de Pneumologia, mas também à ventilação presente. O quarto ficou totalmente destruído, sobrando apenas as estruturas metálicas das camas e do biombo.
Pormenores
Demissão
O Conselho de Administração do Hospital de São João, do Porto, apresentou a sua demissão à ministra da Saúde, na sequência do incêndio que causou uma vítima mortal. Marta Temido recusou.
Quatro feridos
Os dois feridos internados na Unidade de Queimados na sequência do incêndio encontram-se "estáveis" ainda que com "prognóstico muito reservado". Os outros dois recuperam favoravelmente.
Inquérito
A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) já instaurou um inquérito para apurar responsabilidades.