O proprietário de um ginásio de Santo Tirso suspeitava que a mulher, sua sócia na empresa, o traía com um funcionário. Então delineou um plano para a levar a confessar a suposta traição. Enviou-lhe um ramo de flores, sem remetente, e quando esta o recebeu, no ginásio, exigiu-lhe que dissesse quem lho oferecera.
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Pelo meio, chamou-lhe “p***” e “vadia”. Acrescentou que ela “não valia nada” e que “qualquer homem só a podia querer com uma intenção”. A companheira sentiu-se humilhada e, mais tarde, junto da florista que vendera o ramo, descobriu que havia sido o marido a enviar-lho.
Este foi apenas um dos episódios, ocorridos no primeiro trimestre de 2020, que levaram o arguido a ser condenado numa pena suspensa de três anos de prisão, confirmada em março pelo Tribunal da Relação do Porto, por crime de violência doméstica contra a mulher e o filho, a quem terá ainda de pagar 5500 euros de indemnização (3500 à primeira e 2000 euros ao segundo).
Louco de ciúmes, quase diariamente o arguido vasculhava o telemóvel da mulher e controlava-lhe contactos e rotinas. Por vezes, acordava-a a meio da noite para exigir explicações sobre as pessoas com quem tinha falado.
Em abril, a mulher, casada com o arguido há 18 anos, viu uma luz a piscar numa jarra no quarto e verificou que se tratava de uma câmara de vídeo. Atónita, confrontou o marido, que admitiu usar o aparelho para a vigiar.
No mês seguinte, a ofendida, convencida de que o marido voltara a instalar câmaras, pediu explicações. O arguido atirou-lhe uma mala, com um computador portátil no interior, contra a cara. A mulher caiu ao chão e foi pontapeada nas pernas e nos braços.
Expulsa três vezes do tribunal
Inconformado com a sentença condenatória do Tribunal de Santo Tirso, o arguido recorreu, alegando que a decisão era injusta e desfasada da prova existente nos autos. No recurso, o homem criticou a credibilidade atribuída à assistente e sustentou que a sentença ignorou provas relevantes, como gravações, que, segundo o arguido, desmentem a imagem de vítima apresentada pela então companheira. Alegou ainda que esta só tinha apresentado queixa-crime contra si por ser confrontada com uma suposta relação extraconjugal, e que não o havia feito logo após os factos.
Mas, no acórdão, a que o JN teve acesso, os desembargadores rejeitaram tal argumento. “Ora, o facto de a assistente não se ter dirigido logo a um posto policial, tendo consultado um advogado que constituiu seu mandatário cerca de um mês e dez dias após os factos, o qual apresentou a participação criminal menos de dois meses após, não constitui qualquer anormalidade do suceder das coisas da vida que possa indiciar a existência de um estratagema ou de uma premeditação estratégica”, justificam.
Os juízes William Gilman (relator), Maria Silva e José da Cunha também não acreditam que a mulher se tenha queixado às autoridades para desviar as atenções de uma eventual traição. “A tese de que a assistente teria efabulado todo o narrado na acusação com o propósito de dissimular uma eventual relação extraconjugal não é razoável face às regras da experiência comum”, dizem.
O arguido alegava ainda que a companheira não merecia credibilidade por, em seis sessões de julgamento, ter sido advertida cinco vezes e expulsa da sala de audiências em três delas. “O facto de uma pessoa ser mal-educada, não se saber controlar para se comportar adequadamente numa sala de audiências e apelidar o seu marido ou ex-marido por mais do que uma vez com expressões injuriosas, preenchendo ilícitos penais, não implica que perca a credibilidade como testemunha ou declarante”, contrapuseram.
Bofetadas na cara do filho de 14 anos
Em abril de 2020, no interior de casa, o arguido irritou-se com o filho, de 14 anos, por este ter recusado uma injeção que deveria levar regularmente e ter começado a chorar. Irado, o pai deu-lhe várias bofetadas na cara, que lhe provocaram uma hemorragia nasal e dores.
Traição ao marido ficou por provar
Em tribunal, não ficou provado que a assistente tivesse uma relação extraconjugal com um dos funcionários do ginásio, também ouvido como testemunha no processo. Da visualização dos vídeos feitos pelo arguido, também nada se concluiu.