Faz uma defesa acérrima dos seus pares, pede mais meios humanos, acredita na ministra e aponta as falhas no sistema. Critica os advogados que estão no escritório nuns dias e fazem arbitragem noutros dias. Chama-se Eliana de Almeida Pinto e é juíza secretária do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
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Já foram mais, mas o que é que falta fazer para baixar o número de processos pendentes nos Tribunais Administrativos e Fiscais?
Agradeço o convite que foi dirigido ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais no sentido de ter aqui a oportunidade de esclarecer muitas questões que, podendo parecer difíceis de entender, têm sempre uma razão objetiva que permitirá compreender o estado em que estes tribunais se encontram em 2025. Ora bem, respondendo concretamente à questão que me colocou, faltava, em primeiro lugar, que os tribunais de primeira instância fossem dotados de um número de juízes razoável, não é ainda o suficiente, mas neste momento é um número razoável para começar a atalhar a resolução dos processos mais antigos. E depois faltava uma coisa essencial: planeamento, organização, gestão e orientação estratégica. O Conselho Superior tem um novo presidente desde novembro de 2024. A consagração da autonomia administrativa e financeira do Conselho foi feita em 2023, na verdade o primeiro ano de execução dessa autonomia foi o ano passado, 2024, e, portanto, com ela vieram um conjunto de instrumentos de gestão que não havia em momento antecedente. E, portanto, aproveitando esses mecanismos legais que apenas em 2024 estiveram disponíveis, o novo presidente, o Sr. Conselheiro Jorge Aragão Ceia, com a nova equipa, analisou a lei, as obrigações do Conselho e os meios de que agora dispõe do ponto de vista da gestão, decidindo começar a definir com os tribunais objetivos estratégicos para 2028 e, em consequência, os inerentes objetivos anuais para 2026 e 2027. E definiu que é prioritário para a primeira instância resolver os processos mais antigos. E, portanto, todas as inspeções judiciais que vão ser feitas aos senhores juízes e que têm impacto na sua carreira, vão ter por pressuposto o cumprimento destes objetivos. Faltava gestão, planeamento e juízes. Juízes na primeira instância vamos começando a ter, não tínhamos planeamento nem gestão e passámos a ter. E, portanto, pela primeira vez na história do Conselho, foram definidos objetivos estratégicos negociados com todos os tribunais. Vamos enviá-los, nos termos do artigo 90 da Lei da Organização do Sistema de Justiça, à senhora ministra da Justiça até 15 de julho. E estou muito confiante que isto vai correr bem.
Essas ideias já foram transmitidas em parte ou só agora serão formalizadas e há mais propostas de reforma de funcionamento?
Sim, o que diz a lei é que temos de enviar os objetivos negociados até 15 de julho. Portanto, estamos dentro do prazo que a lei nos determina. Obviamente, fomos recebidos pela senhora ministra para discutirmos a situação dos Tribunais Administrativos e Fiscais (TAF), em especial a segunda instância. A nossa reunião incidiu muito na segunda instância. Mas não que diz respeito à primeira instância, tivemos oportunidade de comunicar à senhora ministra que iríamos cumprir a lei e, portanto, nos termos da lei, até 15 de julho enviaremos o dossiê integral dos objetivos negociados em cada tribunal. E, portanto, não comunicamos nada em concreto porque o prazo legal é até 15 de julho e faremos isso formalmente na próxima semana.
A propósito da necessidade de haver mais juízes, há capacidade formadora de magistrados para a quantidade que é necessária?
Bom, a capacidade de formação é do CEJ, o Centro de Estudos Judiciários, que tem de definir anualmente junto com o ministério. E, portanto, aí o Conselho limita-se a exercer as suas competências e, entre elas, está a identificar as necessidades. Vamos fazê-lo também até julho, antes das férias, isso é o que também está na lei. Portanto, até 30 de julho vamos informar a senhora ministra quais são as necessidades de recrutamento para o próximo ano, para a primeira instância.
Mas, pelo que percebi, o problema maior nesta altura estará na segunda instância. Os juízes que podem subir à segunda instância já serão beneficiados nos tribunais administrativos.
O estudo que apresentamos à senhora ministra, bem como as propostas para a segunda instância, contempla tudo isso. Isto é, o pedido que faremos até 30 de julho para o próximo curso de recrutamento de magistrados para a primeira instância tem esse impacto. Portanto, já vamos prever esse impacto potencial porque pensamos muito, temos boas razões para isso, porque a senhora ministra foi sensível e compreendeu o estado em que se encontra a segunda instância.
A segunda instância foi uma vítima do sucesso da primeira instância?
Sim, de certa forma, mas não só. As coisas nunca são tão simples como isso. Não é assim. Houve e há falta de investimento do Estado nesta jurisdição. E, isso sim, é crónico.
É o pai pobre da Justiça?
Claramente. Eu tenho aqui um dado que fala por si e não preciso dizer mais. Na segunda instância desta jurisdição, os processos entrados e pendentes na jurisdição comum representam o dobro dos processos entrados e pendentes na Jurisdição Administrativa e Fiscal. Mas tem seis vezes mais juízes. Ora, se as coisas estão equilibradas, qual seria a razão? O dobro de juízes. Vou-lhe dar um exemplo simples. O Tribunal Central Administrativo (TCA) do Sul, o mais relevante por ter uma maior abrangência de tribunais de primeira instância de onde provêm os recursos, e é também o único com competência exclusiva em muitas questões, como, por exemplo, a arbitragem dissensiva. O TCA do Sul, entre entradas e pendentes, tem cerca de doze mil e cinquenta e nove processos. O Tribunal da Relação de Lisboa, que compara, tem 15 460 processos. No entanto, para dirimir esta pendência, o TCA do Sul tem 37 juízes desembargadores e o Tribunal da Relação de Lisboa tem 142. Eu fiz as contas. Se o TCA do Sul teve 142 juízes, garanto-lhe que em dois anos tivemos os processos todos resolvidos.
Portanto, acha que o problema reside principalmente nos meios humanos e não tanto no número de tribunais administrativos?
Sim, claramente. Na segunda instância, então, isso é óbvio. O TCA Norte, por exemplo, entre pendentes e entradas, tem 5748 processos. Equipara com o Tribunal da Relação de Guimarães, que tem, entre pendentes e entrados, 4998 processos. O TCA Norte tem 33 juízes desembargadores para lidar com esta pendência e o Tribunal da Relação de Guimarães tem 59. É muito próximo do dobro, para um número menor de processos. Portanto, penso que não é preciso dizer muito mais para se perceber que há claramente uma falta de investimento nesta seleção. Quanto à primeira instância, volto a repetir, desde 2015/16 que os cursos de recrutamento de magistrados têm sido anuais e isso permitiu que a primeira instância conseguisse começar a ter taxas de resolução eficientes e muito acima dos 100%. Não era assim antes, como é óbvio, sem ovos não se fazem omeletas. Agora, o problema encontra-se na segunda instância e depois há um julgamento lógico que não é acompanhado com medidas executivas. Se continuamos a recrutar juízes para a primeira instância desde 2015, mas o número de juízes desembargadores se mantém o mesmo, está-se mesmo a ver que vai correr mal. Porque se há mais juízes na primeira instância a decidir, obviamente vai haver mais recursos. E, portanto, naturalmente que vai adensar o problema na segunda instância. Portanto, o que dissemos à senhora ministra é que não é mais possível continuar a aceitar a ideia que passou de que esta jurisdição não funciona. Não funciona porque não há meios. Se eu tiver um carro que não faz revisões na oficina porque não tenho dinheiro, e, portanto, os pneus estão carecas, uma peça se solta e eu deixo andar, não o levo à oficina, e depois ponho-o numa pista ao lado de outro carro, que pode ser igual, mas é novo e vai às revisões a tempo. E eu perguntei qual é aquele que vai chegar primeiro? Acho que não há dúvida. Portanto, a controle de fato não funciona porque não há meios para que funcione. Porque nós demonstramos em primeira instância, e tivemos ocasião de fazer isso recentemente na comunicação social, as taxas de resolução processual, que é aquilo que se exige ao juiz, é que decide mais processos daqueles que entram. Muitos tribunais de comarca não chegam a 100% em termos de taxa de resolução, portanto, não resolvem sequer os processos que entram. Não é assim aqui. No entanto, continuamos a assistir à passagem de mensagens erradas de que a jurisdição não funciona.
O Governo quer processos mais rápidos e o Conselho Superior também quer recuperar os processos mais antigos. São duas visões compatíveis, aquilo que é vontade política e o entendimento do Conselho Superior?
São completamente compatíveis e estamos em total sintonia, devo dizer. Tiago a percepção clara de que a senhora ministra está bem ciente de onde estão os problemas na jurisdição e também ficámos com a sensação de que ela tem muita vontade de resolver. Claro que isto implica dinheiro e, portanto, quando implica dinheiro, há sempre a outra parte que se chama Ministério das Finanças. Vamos ver como é que corre esta negociação. Há uma coisa que eu sei. Há tribunais que demoram por falta de meios. Competir ao Estado tomar decisões. O dinheiro é escasso e isso implica opções políticas. E uma das que está em cima da mesa é saber se o Estado, dentro daquilo que é a sua capacidade orçamental, vai considerar o problema da jurisdição administrativa suficientemente relevante para fazer essa opção, sabendo que há outras prioridades. Estamos em sintonia e até foi o Conselho que havia feito à senhora ministra uma proposta de simplificação processual, totalmente eletrônica, que corre online e apresentámos até a proposta legislativa que se impõe e agora estamos a trabalhar no âmbito do contencioso administrativo e a preparar finalmente uma ou outra proposta para se aplicar ao contencioso tributário que faremos questão de apresentar também antes das férias judiciais.
O Tribunal Central do Centro, que está na lei já há vários anos para ser criado, penso que em Castelo Branco, foi tema, seria uma das chaves para recuperar estes atrasos. Foi tema na reunião com o ministro?
Sim, foi tema da reunião. O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais teve a oportunidade de fazer um estudo aprofundado sobre a forma como estava consagrado e previsto e delineado o Tribunal Central Administrativo Centro. E tivemos ocasião de dizer já a esta senhora ministra, em janeiro deste ano, ainda antes da dissolução do Parlamento que o TCA Centro só ajudaria a jurisdição se fosse planeada e prevista noutros termos. Explicando, o que estava previsto era que o TCA Centro fosse um Tribunal Centralzinho, ou seja, com oito juízes desembargadores para o contencioso administrativo e oito juízes desembargadores para o contencioso tributário. Verificámos com a equipa do Núcleo de Gestão e Acompanhamento dos Tribunais do Conselho, vimos a estatística e verificamos que o TCA Centro iria ficar com um conjunto de tribunais que hoje cobre os recursos que sobem para o TCA do Norte e muito poucos tribunais ficariam no TCA Centro que hoje, quando há recursos, sobem para o TCA Sul. O que significa que iria agravar a diferença. Não ia resolver o problema do TCA do Sul, que é verdadeiramente aquele que está num estado calamitoso, até pelo número de dependências, é o dobro do TCA Norte, e ia retirar tribunais ao TCA Norte, que, de resto, é o único tribunal de segunda instância do país com uma taxa de resolução de 100%. Nenhum tribunal da Relação da Jurisdição comum tem. E, portanto, parece-nos que o TCA está mal desenhado. O que é que dissemos à senhora ministra? Para nós, é indiferente. A decisão política é decisão política e nós não nos metemos nisso. Ou alargam a portaria, consagram um número de juízes desembargadores no Tribunal Central Administrativo do Sul e no Tribunal Central Administrativo do Norte e alargam-no vantajosos para que possamos dar uma resposta, ou criar um TCA do Centro outros termos. Não pode ser um TCAzinho.
Compreende que o estado da Justiça é um dos fatores fundamentais para que um investidor, quer nacional quer estrangeiro, tenha confiança? Os tribunais administrativos e fiscais não são o local indicado para dirimir conflitos entre privados e o Estado, sendo fundamental que este serviço público funcione de uma forma extremamente eficaz?
Claro que sim. Aliás, em tempos idos, não muito idos e de má memória (no tempo da troika), a conta foi feita e registou-se que os nossos tribunais tributários teriam uma percentagem significativa do PIB. Ora, como sabem, nos tribunais tributários, o cidadão e as empresas pagam primeiro e depois é que vão discutir em tribunal a legalidade do tributo. E, portanto, é dinheiro que está, obviamente, do lado do Estado e que, na verdade, se teve sido cobrado ilicitamente, tem que ser restituído com juros. Isto é muito dinheiro e, portanto, é dinheiro na economia, admito que sim, mas este Conselho também está atento a isso e mandou fazer um levantamento aos serviços do Conselho para ter noção e posso-lhe dizer que, neste momento, na primeira instância, estão os dois processos com maior valor. No TAF do Porto está um processo de 288.162 milhões de euros. Só num processo. E no Departamento de Lisboa está um processo de 121.642 milhões de euros. Estes dois juntos são quase 400 milhões de euros. E, portanto, temos isso controlado e posso-lhe dizer que há 660 processos superiores a um milhão em todo o país. Portanto, estamos bem cientes disso e temos isso bem presente. E é por isso que a definição de objetivos foi extremamente relevante, pois vai nos permitir orientar o serviço judicial também para o país, uma vez que a independência do juiz não resida nisto. É um erro pensar assim. Há colegas que pensam assim. Mas não é essa a visão das instituições europeias, nem dos países congéneres, e não deve ser a nossa. A independência do juiz, e essa é absolutamente inegociável, situa-se na decisão. Ninguém pode intrometer-se na decisão concreta do processo. É aí que está a independência do juiz. Agora, fazer um processo e resolvê-lo, que entrou em tribunal em 2023, em vez de um que o juiz tem de 2004, não é independência. O que o Conselho disse foi simples: a decisão é do juiz, ponto final. Mas vão fazer primeiro os processos mais antigos, porque isso é justo. Porque um cidadão que está à espera de uma decisão judicial há dez anos, não pode olhar para o lado e ver o vizinho do lado que propôs a ação dois anos antes de receber uma resposta.
Independentemente do valor em causa ou da importância do litigante?
Sim, ainda que haja processos urgentes que também têm ligação com o valor e esses, por força da lei, têm que ser resolvidos em primeiro lugar. Agora, temos esses processos de milhões sob o olho só para sabermos o que eles existem. Nós não vamos dizer ao senhor juiz que vai fazer este de 288 milhões porque sim. Portanto, se alguém nos confrontar com alguma pergunta, sabemos que está lá e até lhe sei dizer que ele está a tramitar, não está parado. O mesmo acontece com o processo de 121.642 milhões. Ele não está parado, é isso que importa, não esteja parado. Ninguém vai dizer ao juiz, faça este primeiro do vizinho do lado, a não ser que este seja muito antigo.
Mas há excesso de litigância? Podemos falar numa cultura de litigância até a parte do Estado?
Sim. Basta dizer isto: no contexto tributário, o contribuinte paga, depois discute. Portanto, eu acho que não é preciso dizer mais nada. Quando é assim, obviamente, que o Estado, sobretudo nos processos de maior valor, tenta arrastar o processo, até porque sabe como é que é uma segunda instância. E isso também tem que começar a acabar, mas isso já não depende dos tribunais, depende da administração pública e dos dirigentes que orientam os serviços.
Mas como é que vê a questão do crescimento aparentemente desmesurado, segundo alguns, da arbitragem privada “ad hoc”, que já constitui em algumas sociedades de advogados uma parte importante da faturação. Isso não é passar de responsabilidades do Estado para os privados?
Bom, ainda bem que toca nesse assunto. Eu só vou falar de dados oficiais, não falo de coisas que não são oficiais. E, portanto, eu tive o cuidado de ir ver o relatório de atividades do Centro de Arbitragem. E o único que está publicado, e portanto é o único a que eu me vou referir porque não sei outro, é o de 2023. E para ser justo na comparação, também não vou comparar dados dos Tribunais Administrativos e Fiscais de 2024. Vou comparar também com os dados de 2023. A arbitragem tinha 184 avaliações avaliadas para distribuição. No mesmo ano, portanto agora já temos mais juízes, mas por comparação justa, 2023, os tribunais tributários tinham 138 processos a receber. Os processos entrados no centro de arbitragem, no contencioso tributário, foram 23.064. A arbitragem só recebe uma espécie processual, não comparável com os tribunais tributários. Só recebe impugnações judiciais e nem todas, por exemplo, não discute, por exemplo, taxas. Discuta IRC, IRS, IUC, IMI...
Mas alivia a parte do serviço dos tribunais administrativos?
Alivia porque o Estado não investe. Quanto menos funcionarem os tribunais tributários, mais crescerá a arbitragem. Mas isso é porque a arbitragem é melhor? Isso é porque a arbitragem decide melhor e mais depressa? Se não houver investimento nos tribunais do Estado, eles não responderão e, em consequência, a concorrência direta será melhor. Até porque os tribunais tributários estão entupidos com processos de uma reforma que foi muito positiva, mas que não foi bem planejada, de 2003. Portanto, eles nasceram nesta nova roupagem (já fundamentaram, agregados às repartições de finanças) já enterrados em processos. A arbitragem nasceu limpa. E, portanto, assim é fácil. Os tribunais tributários não decidem apenas impugnações e, portanto, nem sequer é justa a comparação. O Centro de Arbitragem disse, na sua newsletter, que em 2024 (dados não oficiais) os juízes decidiram um processo em média em quatro meses e alguns dias. As secções que julgam esta espécie processual nos tribunais tributários, que julgam as impugnações judiciais, são as secções tributárias comuns, só que estas não têm lá apenas impugnações. São muitos urgentes que o centro de arbitragem não tem e que complicam o trabalho do juiz porque ele tem que parar o que está a fazer e fazer urgente. Tem ações administrativas em matéria tributária, que é uma espécie processual que não existe na arbitragem. Tem “N” presos, que são processos urgentes. Tem, por exemplo, processos de manifestação de fortuna, que a arbitragem também não julga. Portanto, quando se pegam nos números das seções que julgam as impugnações e comparam com as decididas na arbitragem, também não é justo porque os juízes dos tribunais tributários não julgam só impugnações. O seu trabalho é muito mais complexo e muito mais volumoso do que isso. E, portanto, para concluir, em 2023 os processos centrados no centro de arbitragem foram 1064 e no mesmo período os tribunais tributários entraram 10.580. Repito, para menos juízes. Tínhamos 138 e havia 184 julgados prontos para distribuição. O que significa que os processos encontrados no centro de arbitragem em 2023 foram 777 e os nossos tribunais tributários foram 15.737. Quanto menos os tribunais tributários funcionarem, mais a arbitragem vai crescer. Só que a pergunta que eu deixo no ar é: cresce pelo seu sucesso ou pela falta de investimento nos tribunais do Estado?
Há falta de transparência na arbitragem? Muitas vezes os julgados são depois advogados num dia, são julgados noutra hora, há alguma dificuldade de acesso à informação pública sobre os processos, sobre os valores, sobretudo da parte dos jornalistas, há problemas de transparência na arbitragem?
Eu vou-lhe apenas dizer, por prudência, que em tese não me parece bem que um advogado trabalhe no escritório à segunda, terça e quarta e à quinta e sexta decida processos, ainda que não sejam os processos onde é advogado, que isso seria logo um impedimento. Também sabemos que quando uma empresa é cliente de um escritório de advogados com muitos sócios, ainda que aquele advogado nunca tenha recebido processos desse cliente, ele não deixa de ser cliente desse escritório. E quando decide o processo Y, que é distribuído no centro de arbitragem à tarde, na quinta-feira, ele não deixa de saber que a empresa e é cliente do seu escritório, ainda que não seja para aquela questão pontual. Portanto, eu deixo às pessoas que nos estão a ouvir a possibilidade de retirarem as suas próprias dúvidas. Quanto ao último ponto que me disse sobre a arbitragem, se há falta de transparência relativamente aos valores, há uma coisa que eu posso dizer. A arbitragem, em matéria de custódia, funciona nos seguintes termos: quanto mais elevado para o valor da ação, mais complicado é a nomeação de julgados, porque os julgados que julgam esses processos de maior valor têm que ter determinadas características, não podem ser quaisquer julgados. Aqueles que estão disponíveis para a distribuição nesses processos de muito valor são diferentes, mas os honorários também. Facilmente consegue um processo que seja de muitos milhões e tenha uma remuneração de vários milhares de euros. Portanto, isso não é acessível ao comum cidadão. E esse tem que se conformar com os tribunais do Estado, que só não funcionam melhor porque não têm meios. Porque eu volto a repetir, essa ideia não é uma ideia conceitual da minha parte. São factos. Pela primeira vez decidimos falar abertamente para desmistificar os mitos. Os tribunais tributários e administrativos desta jurisdição têm taxas de resolução processual mais elevadas. Ponto final, par. Podem-me dizer se é justo comparar um processo tributário, com um processo administrativo, com um julgamento criminal ou com um cível? Não, mas isso foi o que causou à jurisdição administrativa e fiscal. Toda a vida ouvimos falar que a jurisdição comum resolve mais depressa e, por isso, talvez a solução fosse juntar tudo. Eu só estou a usar os argumentos que ouvi ao longo de 20 anos. Não achamos adequada a comparação porque os processos são diferentes, ainda que haja semelhanças. Um processo cível é muito parecido com um processo administrativo. Por exemplo, um processo laboral é muito semelhante a uma ação administrativa trabalhista de função pública. Mas há, obviamente, diferenças. Claro, um processo de âmbito criminal tem uma tramitação e uma garantia que não tem nada a ver com nenhum dos outros que nós julgamos. Mas, volto a repetir, eu só usei este ranking para usar o argumento com o qual fui confrontado toda a vida desde que sou juíza. E, portanto, vou usá-lo porque não é verdade, ainda que se inclua a ressalva "não é correto".Mas não é correto hoje, como não era desde 2004, ouvir sistematicamente que os tribunais aqui não funcionam e os judiciais sim. Os tribunais administrativos há dois ou três anos a esta parte têm taxas de resolução muito superiores à jurisdição comum.
A atual ministra da Justiça, Rita Júdice, tem ligações anteriores a sociedades de advogados que lucram com a arbitragem. Considera que poderá haver uma tentativa de manter o “status quo”?
Não, você é muito honesto. Tenho a melhor das receitas da atual ministra da Justiça. Nas poucas reuniões que tivemos, pareceu-me honestamente que estou muito interessado e empenhado em resolver o problema da jurisdição. Compreenda-o bem. Aliás, ela já o conhecia. Mas quando falou connosco, talvez tenha sido alertado para alguns detalhes que quem chega a uma pasta pode não ter a sensibilidade imediata. Não tenho nenhuma razão para duvidar de que ela vai procurar resolver o problema. E quanto à outra parte da pergunta, a arbitragem não existe com ela. A arbitragem não foi instituída em Portugal pela Dra. Rita Júdice.
Quanto à AIMA, já houve mais de 70 mil processos pendentes no Tribunal Administrativo de Lisboa. Há seis juízes dedicados apenas a este tipo de processos, que do ponto de vista formal até são relativamente simples, mas nesta altura ainda há cerca de 55 mil casos à espera da resposta. A pergunta é óbvia. Porquê?
Porque, mais uma vez, se fazem alterações legislativas sem plano o impacto que a lei vai ter nas instituições. E, portanto, quando se começa a casa pelo telhado, ela vai cair. Não há hipóteses. E foi o que aconteceu. Portanto, houve uma alteração legislativa significativa, acompanhada de uma alteração da organização da administração pública, designadamente do antigo SEF, que foi dividida. Os recursos foram distribuídos pela Polícia Judiciária ou pela PSP e depois os que tinham funções mais administrativas foram então integrados nesta nova estrutura denominada AIMA. Tudo isto foi feito sem planar. E quando é assim, os tribunais sofrem. E foi o que aconteceu. Não há muito a fazer. Os tribunais não têm competência para resolver problemas executivos. Os tribunais dirimem litígios. O tribunal teve ocasião, designadamente o Tribunal de Círculo de Lisboa, que é onde está o problema, teve ocasião de dizer ao anterior Governo e a este que não tinha meios porque não é possível. Isto também não é uma procura normal e não se vai desatar a contratar juízes porque temos 80 mil processos que têm que ser resolvidos, isto foi uma circunstância que ocorreu absolutamente anormal e que tem que ter uma resposta diferenciada. E não passa por contratar juízes que, como sabem, demoram três anos a formar e depois são inamovíveis. E depois resolve-se este problema e os juízes não ficam lá em excesso. Portanto, isso não é solução. As propostas que nós levamos à senhora ministra implicam, obviamente, despesa, mas não fazemos propostas sem sentido. E, portanto, sempre dissemos que isto não passa por pôr mais juízes. O que é que se passa? Qual foi o ponto fulcral? Estamos preparados mesmo que mais de metade dos processos que estão pendentes já foram resolvidos. Só que não há comunicação da AIMA para o Tribunal. E, portanto, o Tribunal não conhece esse dado e o processo continua ativo e está na lista para o juiz o trabalhar. O que é que temos vindo a pedir à AIMA? Concentrar essa informação periódica e informar o Tribunal, mensalmente, quinzenalmente, pode não ser diariamente. Porque isso dará imediatamente lugar a uma extinção da ação por inutilidade superveniente da lide (conflito) e eu estou convencida que metade do que lá está pode e deve morrer porque já não faz sentido. E hoje em dia, quando se fala tanto em inteligência artificial e em novos instrumentos de inteligência artificial que permitem facilitar o trabalho e, ainda por cima, financiados pelo PRR, não compreendemos porque é que não há uma estrutura criada na AIMA para esse efeito. É apenas uma questão administrativa.
Mas é uma defensora da inteligência artificial na justiça para resolver este tipo de problemas mais burocráticos?
Sou relativamente a isso, nos termos em que me disse, para estas tarefas simples e mais burocráticas. Agora, para decidir, para tomar decisões, não. Isso é o juiz.
E o que é que a AIMA tem respondido a esses pedidos de esclarecimento?
Não tem capacidade, não tem respondido nada. E posso-lhe dizer que tenho aqui dados frescos, infelizmente vou atualizar o seu número. Já são 79.947. Porquê? Porque no mês de junho voltaram a entrar. Já tinha estabilizado em abril e maio, altura em que entravam por dia, só 253 a 300 processos, no máximo. E em junho voltámos a números de 800 e 900.
E o Tribunal sabe qual é a taxa de sucesso das intimações que faz a AIMA? Ou seja, quantas vezes é que a ordem é cumprida? Porque no fundo o processo, para quem não sabe, é dizer à AIMA que tem que ouvir aquela pessoa, tem que atender aquela pessoa.
O sucesso é grande porque não há condenações, os juízes não têm aplicado sanções compulsórias exatamente porque percebendo que isso pode acontecer, assim que chega uma citação, o processo é resolvido. O que eu digo é que a AIMA já está a resolver mais do que isso, só que não nos informa. E, portanto, nós temos lá processos que estão a dar trabalho a juízes, a oficiais de justiça e a assessores. Nós contratámos seis assessores para ajudar estes seis juízes, é um assessor por juiz, que aliás não estão a ajudar o Tribunal noutras matérias importantes, porque estão aqui. Este mês de junho foi uma catástrofe, outra vez. O fenómeno pode estar localizado na circunstância de ter sido feito o aviso de que a lei ia mudar e, portanto, quem está de forma ilícita tentou resolver o problema rapidamente. A verdade é que nós já estamos com entradas diárias de 600 a 900.
Mas já que falamos da questão da nova lei da nacionalidade, tem alguma opinião já formada, mesmo que de forma provisória, sobre se as novas regras vão aumentar a litigância nos processos? Ou a questão está no processo de comunicação entre as duas entidades?
Eu não tenho uma opinião formada porque o Conselho vai pronunciar-se oficialmente quando receber o projeto relativo para esse efeito e, nessa altura, estudarei o assunto com os assessores. Posso-lhe apenas dizer que do que li, muito por alto, obviamente vai haver limitações e havendo limitações o número de pedidos vai descer. Agora, se isso vai aumentar ou não a litigância, eu teria de ver pormenorizadamente as normas e eu não tive ocasião para fazer isso e, portanto, não gosto muito de falar do que não sei e, por isso, não lhe posso dar outra resposta para já que não esta.