
Maria João Gala/Global Imagens/Arquivo
Funcionária de pastelaria e amante empreiteiro detidos pela Polícia Judiciária do Porto por tráfico de seres humanos. Recebiam encomendas de emigrantes portugueses para gerar crianças
Uma mulher de 41 anos é suspeita de ter funcionado, nos últimos sete anos, como uma "fábrica de bebés": recebia encomendas de crianças, concebia-as em relações sexuais com um amante, vivia a gravidez, dava-as à luz e depois vendia-as por preços, pagos às prestações, que chegaram a ultrapassar os 20 mil euros. Por indícios de quatro crimes de tráfico de seres humanos e falsificação de documentos, a Polícia Judiciária (PJ) deteve a mulher, funcionária numa pastelaria do Porto, e o indivíduo, empreiteiro de construção civil. Terão sido comercializadas quatro crianças, entre 2011 e 2017.
Os clientes desta mulher brasileira, radicada há vários anos em Portugal, eram emigrantes portugueses atualmente a viver em França, Suíça e Luxemburgo. Por cada bebé, os clientes pagariam uma entrada a rondar os 10 mil euros e, posteriormente, entregavam mais prestações à mãe vendedora. No total, a mulher terá recebido mais de 80 mil euros.
A PJ suspeita da existência de um indivíduo - ainda não detido - para intermediar os negócios entre a "fabricante" de bebés e os compradores, o que poderá conduzir a investigação a um alcance mais vasto, com possível envolvimento de mais mulheres no tráfico de bebés.
gravidezes sem mais filhos
O processo no qual foram agora realizadas as duas detenções iniciou-se há um ano. À PJ chegou uma denúncia sobre uma mulher que vivia no Porto e que esteve várias vezes grávida, mas não tinha à sua guarda qualquer das crianças geradas nos últimos anos. As suspeitas adensaram-se, pois a brasileira continuava a viver apenas com os seus três filhos.
A mulher passou a ser o alvo das atenções dos investigadores da PJ do Porto, que reuniram indícios de que, com o conluio de um empreiteiro de Guilhabreu, Vila do Conde, seu amante, engravidava para satisfazer encomendas de crianças.
Nesta altura, as autoridades já sabem onde estão os menores - França, Suíça e Luxemburgo - e enviaram cartas rogatórias para serem investigados os emigrantes portugueses que adquiriram os bebés. Os compradores também são suspeitos dos crimes de tráfico de seres humanos e falsificação de documentos.
MÃE NUNCA CONTACTOU os FILHOS
A forma de concretização da venda dos bebés e atribuição da paternidade aos compradores era relativamente simples. Depois de encomendada a criança, ao fim dos nove meses de gestação, a brasileira dava à luz. Tal como em todos os casos de parto no hospital, esta mulher ficava registada na conservatória do registo civil como mãe. Só que, como pai, surgia não o verdadeiro progenitor mas sim o comprador, que perfilhava a criança.
Depois de registada oficialmente a paternidade, a brasileira e o cliente desta celebravam um acordo de "regulação das responsabilidades parentais" sobre a criança, enquanto progenitores que não vivem juntos. Nesses acordos - homologados pelo Ministério Público e Conservatória - ficava previsto que a guarda do menor ficava confiada ao "pai" comprador, que assim estava legitimado a levar a criança para o estrangeiro - embora existam suspeitas de que o pai é, na realidade, o empreiteiro de Vila do Conde, que há 10 anos mantém relação amorosa com a brasileira. A mulher e verdadeira mãe nunca mais voltou a ter contactos com os bebés, nem exerceu os seus direitos relativos às responsabilidades parentais.
O primeiro dos quatro negócios aconteceu em 2011, enquanto o último ocorreu no ano passado, o que deu origem à investigação da PJ.
O esquema
Encomenda
Emigrantes interessados em ser pais encomendavam bebés à mulher.
Dar à luz
Com o seu amante empreiteiro, mulher engravidava e dava à luz.
Registo de paternidade
Após saída da maternidade, o cliente comprador declarava falsamente na Conservatória do Registo Civil ser o pai do bebé.
Responsabilidades
Mediante acordo de responsabilidades parentais entre mãe e "pai" separados, a guarda do bebé era confiada ao cliente comprador. Crianças foram levadas para o estrangeiro.
