Dinheiros divergentes com declarações ao Fisco servem para expulsar juiz da magistratura em processo disciplinar, antes de terminar inquérito-crime. Arguido interrogado ontem.
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Uma empresa sediada no Congo e controlada pelo empresário José Veiga é suspeita de ter usado uma conta de Bernardo Santos Martins, filho de um advogado e amigo do juiz Rui Rangel, para transferir para este último cerca de 250 mil euros, ao longo de um ano.
Estes pagamentos, que terão sido justificados pela ajuda que Rangel terá prometido dar a José Veiga nos seus processos judiciais, foram apuradas na Operação Lex, em que o juiz voltou ontem a ser interrogado, e sustentaram já a sua expulsão da magistratura.
Bernardo Martins, em conta no BES/Novo Banco, começou a receber dinheiro de uma conta da sociedade International Services Congo, SARL, no Banco Internacional de Cabo Verde, em agosto de 2012. Até setembro de 2013, seguiu-se uma série de transferências, a maioria à volta de 50 mil euros, sem que fosse conhecida qualquer relação comercial entre aquele jovem e a empresa de Veiga, com sede em Brazavile.
Entre a prova recolhida na Operação Lex, pelo Ministério Público do Supremo Tribunal de Justiça, e usada no processo disciplinar do Conselho Superior da Magistratura, estão as múltiplas operações financeiras que indicam que Bernardo Santos Martins levantou a maioria daquele dinheiro para pagar despesas de Rangel, como a renda de uma casa de luxo e a prestação do leasing de um BMW X6, ou para o depositar em contas do juiz. A 20 de setembro de 2013, por exemplo, efetuou três depósitos de 58 235 euros, em numerário, em duas contas de Rangel.
atividades ilícitas
Rui Rangel tentou impugnar a sua demissão da magistratura com o argumento de que o processo disciplinar deveria aguardar o processo-crime, que ainda não tem acusação. Mas os movimentos financeiros e os negócios realizados por Rui Rangel, como também pela juíza Fátima Galante, sua ex-mulher, convenceram o Supremo Tribunal de que o magistrado esteve envolvido em atividades ilícitas.
O Supremo levou em conta, desde logo, que Rangel declarou ao Fisco rendimentos de cerca de 205 mil euros, entre 2012 e 2015, omitindo mais de 278 mil euros recebidos em numerário. A este montante somaram-se 156 mil euros depositados, entre 2007 e 2017, em contas por si tituladas, através de transferências ou cheques de José Santos Martins e do filho Bernardo Martins.
INVESTIGAÇÃO
Luxos incompatíveis
O Supremo Tribunal de Justiça concluiu, no recurso de Rui Rangel sobre o seu processo disciplinar, que o juiz desembargador demonstrava um poder aquisitivo que não podia ser explicado pelos seus vencimentos de juiz. Em acórdão proferido na quinta-feira, aquele tribunal destaca o valor das sucessivas rendas de casa contratadas pelo desembargador, na zona de Lisboa, entre 2012 e 2018.
A primeira das casas custava-lhe 2350 euros por mês (quando o vencimento líquido do juiz era de 3159 euros), a segunda 3500 e a última, entre 2016 e 2018, 2700 euros. Entre as várias extravagâncias apontadas no acórdão, o Supremo destaca um automóvel BMW X6. Rui Rangel fez um contrato de leasing, por quatro anos, que lhe custou mais de 131 mil euros.
O tribunal também valorizou várias contas de restaurantes. Como a de um almoço para 30 pessoas, numa estalagem, que lhe terá custado 4095 euros. Apesar de tudo, o tribunal também releva situações em que o juiz não cumpriu as suas obrigações. Por exemplo, na primeira das casas, a sociedade senhoria resolveu o contrato, por atraso no pagamento das rendas.
PORMENORES
Morgado interroga
Rui Rangel voltou ontem a ser interrogado na Operação Lex. O interrogatório foi conduzido por Maria José Morgado, procuradora do MP junto do Supremo.
Vieira arguido
A Operação Lex tem mais de uma dúzia de arguidos. O presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, é um deles. Vieira poderá ser acusado de recebimento indevido de vantagem, por ter prometido a Rui Rangel contrapartidas pela sua ajuda em processos judiciais.
Galante aposentada
Fátima Galante, arguida no processo-crime que também era juíza desembargadora na Relação de Lisboa, foi aposentada compulsivamente.