É uma espécie de "multinacional do crime". Meia dúzia de famílias, espalhadas por países europeus, ter-se-ão organizado para, durante 10 anos, fazerem "operações-relâmpago" em Portugal.
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Objetivo da "empresa": burlar, coagir, ameaçar e extorquir. Fizeram centenas de vítimas, extorquindo-lhes quantias astronómicas supostamente para afiar facas e ferramentas. Entre os obrigados a pagar sob ameaças de morte, estão uma empresa de José Roquette (ex-presidente do Sporting) e os hospitais de Valongo e Anadia.
Da centena de "vendedores", as autoridades conseguiram identificar e acusar 53. Neste momento, três deles estão em prisão preventiva. Foram emitidos 50 mandados de detenção europeus, cujo cumprimento está pendente.
Os crimes decorreram entre 2002 e 2013. Os autores dos crimes pertencem a seis clãs que se misturaram entre si. Saíram de Espanha, França, Itália, Alemanha e Holanda para se dirigirem a Portugal, a locais previamente combinados. Viajavam em rulotes e autocaravanas, escoltados por frota de automóveis de luxo (Mercedes, BMW e Audi). Visitavam empresas, públicas e privadas, ligadas à agroindústria (cooperativas, leitarias e herdades), metalurgias, pichelarias, talhos, pastelarias, tipografias, consultórios de dentistas e hospitais.
Chegavam de Mercedes, Audi ou BMW e, exibindo um cartão que os acreditava como donos ou representantes de uma empresa espanhola especializada na "afiação de instrumentos e afinação de ferramentas" ou em "manutenção e recuperação de instrumentos cirúrgicos", propunham um tratamento inovador para maior durabilidade e resistência aos aços. E a preços inferiores aos do mercado - entre 18 e 50 cêntimos, por centímetro de gume tratado.
Usaram etnia como arma
Por simularem ter afiado uma faca ou machado, uma corrente ou um bisturi, faturavam entre 600 e 2500 euros. Mais prejudicados ficaram os que caíram na asneira de entregar muitas peças. Nestes casos, a extorsão atingiu entre 20 mil e 23 mil euros. Todos protestaram pelo "teste gratuito" e que seria mais barato comprar novo. Mas de nada valia a indignação.
Usando a etnia como arma - "não sabes com quem te meteste, somos ciganos", diziam - os indivíduos partiam para a ameaça: "ou pagas, a bem ou a mal", sendo que o "mal" era "cortar as mãos", "partir as pernas", "matar" e ainda mandar "um grupo de 30 ou 50 ciganos" para incendiar a empresa.
Através deste modo de atuação, os clãs terão extorquido, por todo o país e durante mais de 10 anos, centenas de milhares de euros.
Em face do elevado número de casos e à sua dispersão geográfica, o Ministério Público do Porto concluiu o processo, acusando 53 indivíduos, três dos quais agora em prisão preventiva.
Para os restantes suspeitos foram emitidos 50 mandados de detenção europeus. As autoridades procuram os indivíduos. Por isso, ainda não há data para julgamento.
Herdade do Esporão
Um encarregado da Herdade do Esporão, propriedade do ex-líder do Sporting, José Roquette (na foto), recebeu, em novembro de 2009, uma "fatura" de 23 541 euros por um "banho de titânio" a tesouras, discos, martelos e correntes. O funcionário foi ameaçado - "não te esqueças que tens filhos" - e pagou.
Hospital de Valongo
Uma enfermeira-chefe do Hospital de Valongo entregou ao grupo, em 2010, 300 instrumentos "para afiar", convencida por uma falsa autorização da Administração. Dias depois, apareceu "fatura" de 19 mil euros. Para acabar com o terror, a Administração pagou. No mesmo ano, procedimento foi usado contra o Hospital de Anadia, que perdeu 2800 euros.
Ministério Público
A multiplicação de casos, de onde sobressaem autores comuns, levou a que os processos, centenas, de norte a sul do país, fossem parar ao DIAP do Porto, e entregues à procuradora Teresa Morais.