Planta cultivada para a produção de medicamentos abastecia mercado negro de países da África Central.
Corpo do artigo
Um grupo criminoso, liderado por empresários do Norte da Europa e com operacionais portugueses, comprou, como parte de um esquema de tráfico de droga internacional, empresas farmacêuticas nacionais autorizadas a produzir e comercializar canábis medicinal. Os suspeitos, quatro dos quais detidos numa operação de grande envergadura realizada ontem pela Polícia Judiciária, também falsificaram licenças de produção de medicamentos para justificar a exportação de toneladas de folha de canábis para países da África Central. A droga acabou vendida no mercado negro.
O esquema começou a ser descoberto em 2022, quando a PJ desmantelou um laboratório clandestino, na zona de Abrantes, que produzia droga sintética, para traficar entre Portugal e Espanha. Na ocasião, foram apreendidos 1200 quilos de anfetaminas, mas o grupo não parou a atividade criminosa.
Liderada por cidadãos do Norte da Europa e com vários portugueses na estrutura, a organização começou a adquirir empresas farmacêuticas nacionais, algumas delas já com licença para produzir canábis medicinal. Outras tinham só autorização da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) para comprar e vender canábis medicinal, mas também serviam os propósitos do grupo.
Vendida no mercado negro
Eram cerca de dez empresas farmacêuticas, que produziam e compravam a planta e depois aproveitavam, refere a PJ, “as falhas e vulnerabilidades do sistema de fiscalização e controlo de exportações de canábis medicinal em Portugal” para exportar a droga. Essencialmente, apresentavam no Infarmed certificados de importação e outros documentos falsos, emitidos em nome de clientes estrangeiros, e ficavam autorizados a exportar grandes quantidades de folha de canábis medicinal.
No entanto, a droga nunca chegava ao destinatário final, porque, uma vez chegada ao país indicado, era desviada para abastecer o mercado negro do narcotráfico. Tudo sem que o Infarmed e outras entidades portugueses percebessem que a canábis medicinal não era utilizada para a produção de medicamentos.
Ontem, a PJ deteve, pelo menos, quatro elementos do grupo criminoso, durante as 64 buscas realizadas por cerca de 300 inspetores, 48 peritos, 24 seguranças, seis procuradores e três juízes em todo o país, incluindo Madeira. Fez buscas, entre outros alvos, numa empresa de produção de canábis medicinal no Fundão e em escritórios de advogados e de contabilidade que assessoravam as empresas farmacêuticas.
As buscas passaram ainda por Espanha, Bulgária e Chipre, onde a organização criou empresas de fachada para “lavar” os lucros do tráfico.
Produção e exportação sempre a crescer
A lei que passou a permitir e a regular a produção de canábis medicinal em Portugal foi aprovada em 2018 e, de lá para cá, somam-se empresas dedicadas a este setor de atividade. Dados fornecidos pelo Infarmed ao JN mostram que, no ano passado, havia 37 entidades, muitas delas estrangeiras, autorizadas a cultivar canábis para fins medicinais e quase todas tinham além-fronteiras o seu principal mercado. Aliás, a exportação deste produto cresce a cada ano que passa. Em 2019, revela a estatística do Infarmed, foram exportados 709 quilos de canábis, número que, nos anos seguintes, seria largamente ultrapassado. Foram 4,8 toneladas em 2020, 5,6 em 2021 e 9,2 em 2022. Um ano depois, a canábis medicinal vendida para o estrangeiro ultrapassou as 9,2 toneladas e, em 2024, foram mais de 18. A Alemanha é o principal comprador da droga medicinal nacional.