Em 2021, o ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça validara já uma escuta telefónica entre o à data ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, e o primeiro-ministro por entender que poderia ter relevância criminal. Mas, hoje, nenhuma interceção direta a António Costa foi invocada pelo Ministério Público.
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António Joaquim Piçarra mandou, na mesma altura, destruir outras duas escutas acidentais a António Costa. A decisão foi objeto de recurso pelo Ministério Público, tendo o Supremo Tribunal de Justiça rejeitado esclarecer, em outubro desse mesmo ano, qual fora o desfecho.
"Em resposta ao seu pedido, venho informar que foi proferida decisão e que esta foi notificada aos sujeitos processuais interessados. Os autos encontram-se em segredo de justiça", afirmou então por escrito, ao JN, fonte oficial do Supremo Tribunal de Justiça.
Na altura, era João Matos Fernandes e não António Costa que estava sob escuta no inquérito em que estão em causa suspeitas de prevaricação, corrupção e tráfico de influência.
Nome de Costa invocado por suspeitos
Esta terça-feira, nenhuma escuta do género foi mencionada no comunicado em que a Procuradoria-Geral da República informou que o primeiro-ministro seria investigado, num inquérito autónomo, no Supremo Tribunal da Justiça.
"No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e a da sua intervenção para desbloquear procedimentos", afirma a PGR ao justificar a abertura de um inquérito autónomo sobre António Costa.
Já ao início da tarde desta terça-feira, quando anunciou a sua demissão, o primeiro-ministro sublinhou que soube da instauração daquele inquérito-crime através do comunicado de imprensa da Procuradoria-Geral da República. Também frisou que não é arguido nem sabe que atos seus estão sob suspeita.
"Obviamente, estou totalmente disponível para colaborar com a Justiça em tudo o que a Justiça entenda necessário para apurar toda a verdade, seja em que matéria for. Não me pesa na consciência a prática de qualquer ato ilícito ou de qualquer ato censurável", garantiu, reafirmando que confia "totalmente na Justiça e no seu funcionamento".
Juízes quiseram mudar regras
O inquérito-crime que, esta terça-feira, culminou na constituição como arguido do ministro das Infraestruturas e ex-secretário de Estado da Energia, João Galamba, e do presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente, e na detenção de outras cinco pessoas, incluindo o chefe de gabinete do primeiro-ministro, está em curso no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), um organismo que nunca poderia investigar o primeiro-ministro.
De acordo com o Código de Processo Penal, o primeiro-ministro, o presidente da Assembleia da República e o presidente da República podem apenas ser investigados e/ou julgados no Supremo Tribunal de Justiça. O presidente deste órgão tem, por sua vez, competência exclusiva para validar ou mandar destruir escutas àquelas três figuras de Estado.
Em 2021, o Conselho Superior da Magistratura propôs que as interceções telefónicas envolvendo titulares de órgãos de soberania passassem a ser autorizadas e validadas por um coletivo de três juízes-conselheiros e não somente pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, mas, até hoje, a alteração - que terá sempre de passar pela Assembleia da República - não saiu da gaveta.
Em setembro do mesmo ano, fonte oficial do Ministério da Justiça, então liderado por Francisca Van Dunem, confirmou a receção da proposta do órgão de gestão dos juízes, assegurando, na altura, que estava "a proceder a uma análise cuidada da proposta, dada a sua delicadeza".
Já no verão deste ano, 2023, o JN voltou a questionar a tutela, atualmente liderada por Catarina Sarmento e Castro, sobre o assunto, mas não recebeu qualquer resposta. O Conselho Superior da Magistratura não obtivera também então, apurou à data o JN, qualquer reação oficial do Governo.