Desde 2017 que a lei permite a juízes aplicar prisão domiciliária nos meses mais quentes. Promessa política de pôr GNR e PSP a vigiar pirómanos também ficou por cumprir.
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Embora a medida tenha sido anunciada como uma solução para reduzir o número de fogos florestais, só um número muito residual de incendiários tem sido obrigado a passar o verão em prisão domiciliária. E, contrariamente ao que o poder político também prometeu há cinco anos, nenhum potencial incendiário é vigiado pela GNR ou pela PSP nos meses de maior calor - só a Polícia Judiciária (PJ) desenvolve trabalho preventivo neste âmbito.
Dados recolhidos pelo JN mostram que só sete incendiários com pena suspensa ou em liberdade condicional estiveram, neste verão (e apenas neste período), presos em casa com pulseira eletrónica. De resto, nos últimos quatro anos, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) recebeu dos tribunais ordem para aplicar a medida somente em 13 casos, três deles já em 2021. Como a sanção se pode prolongar por verões sucessivos, em junho último havia sete incendiários naquela situação.
A possibilidade de os incendiários cumprirem prisão domiciliária nos meses de "maior risco de ocorrências de fogos" entrou em vigor em novembro de 2017. O objetivo do legislador era conciliar a reintegração daqueles criminosos na sociedade com a prevenção de incêndios florestais, mas as estatísticas mostram que o novo instrumento legal não convenceu os juízes das vantagens da sua aplicação.
Esta é a conclusão que se impõe, atendendo ao universo de condenações pelo crime de incêndio. Os dados de 2020 e 2021 ainda não estão disponíveis, mas, só em 2018, foram condenados em primeira instância 173 arguidos por incêndio florestal, dos quais 73 (42%) foram libertados, com as penas de prisão suspensas; e, em 2019, houve 122 condenações a penas de cadeia cuja suspensão também foi decidida em 44 casos (36%).
Vigilância a incendiários
Ainda antes de entrar em vigor a lei que permite confinar incendiários em casa nos meses quentes, o ex-secretário de Estado da Administração Interna Jorge Gomes anunciou que, a partir de 2016, os potenciais incendiários estariam "todos debaixo de uma atenção muito séria" da GNR e da PSP. A medida integraria o sistema de vigilância de incêndios florestais, mas, cinco anos passados, ambas as forças de segurança garantem que não fazem qualquer vigilância, a não ser no âmbito de processos penais pendentes.
"Os cidadãos que tenham sido referenciados como suspeitos ou até investigados e condenados pela prática do crime de incêndio florestal, não obstante a possibilidade de reincidência, não são, só por isso, objeto de vigilância policial", afirma a PSP, justificando que falta uma "base legal" para sustentar tal prática.
"Os procedimentos da GNR estão sujeitos ao princípio da precedência da lei e da tipicidade legal, pelo que, a existirem ações de vigilância sobre suspeitos do crime de incêndio, as mesmas apenas podem ocorrer ao abrigo de medidas penais e processos penais em sede de inquérito", corrobora a Guarda.
Só a PJ dedica especial atenção à vigilância deste tipo de criminosos. Após receber da DGRSP a informação de que um incendiário foi libertado, a PJ monitoriza, de forma regular, o indivíduo, de forma a prevenir a prática de novos crimes. A mesma estratégia é aplicada àqueles que não chegaram a ser detidos, mas sobre quem a PJ recolheu informação policial que os tornou suspeitos.
Segundo juristas consultados pelo JN, a questão central poderá estar, atendendo às competências das polícias na prevenção criminal, nas características da vigilância. Na prática, o enquadramento legal poderá ser suficiente para prestar atenção a zonas florestais sensíveis e a quem nelas circula, mas não para seguir cidadãos.
Questionado pelo JN, o Ministério da Administração Interna não respondeu.
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Cinco verões por três crimes
O Tribunal de Execução de Penas de Coimbra decidiu, em dezembro de 2017, conceder liberdade condicional a um indivíduo de Oliveira do Hospital, que cumpria pena de prisão por três crimes de incêndio, mas impôs-lhe a obrigação de ficar preso em casa, com vigilância eletrónica, nos períodos de 1 de junho a 31 de outubro, até 2022.
Um fogo, quatro anos
Condenado por um fogo, ocorrido em 2016, que em Oliveira de Azeméis queimou 50 metros quadrados, um incendiário foi obrigado a usar pulseira eletrónica, com permanência em casa, entre 1 de julho e 30 de setembro, por quatro anos.
117 incendiários
condenados a penas de prisão, em 2018 e 2019, puderam ficar em liberdade, graças à suspensão das penas.