Supremo confirmou indemnização de 62 mil euros a Armindo Castro, ilibado do homicídio da tia, mas Estado não pagou.
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Nunca o Estado português tinha sido condenado por um tribunal nacional a pagar uma indemnização a um recluso preso injustamente. Mas, apesar da sentença ter sido confirmada há meses pelo Supremo Tribunal de Justiça, o Estado ainda não pagou voluntariamente os 62 mil euros de indemnização devidos a Armindo Castro, que esteve injustamente preso 914 dias pelo homicídio da sua tia, até que o verdadeiro autor confessou o crime. O inocente teve agora de penhorar o Estado, na tentativa de receber a indemnização, através do saldo bancário da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública.
Foi um dos mais flagrantes erros judiciários. O caso remonta a 2012. A tia de Armindo, Odete Castro, 73 anos, foi encontrada morta no seu apartamento, em Joane, Famalicão. Tinha sido assassinada. Armindo foi o primeiro suspeito e até confessou o crime à Polícia Judiciária, tendo participado voluntariamente numa reconstituição. Soube-se mais tarde que temia que a sua mãe tivesse sido a autora da morte e quis evitar que ela fosse presa.
Sacrificou-se para a ilibar. Mas perante um juiz negou o homicídio, logo no dia seguinte. Ficou em prisão preventiva e, apesar das provas de que estava noutro local à hora do crime, o Tribunal de Famalicão condenou-o a 20 anos de cadeia. O Tribunal da Relação do Porto baixou a pena para 12 anos.
Vizinho confessou
No final, valeram-lhe os remorsos de um antigo vizinho da tia. Em outubro de 2014, espontaneamente, Artur Gomes foi à GNR e confessou ter sido o autor do homicídio de Odete, assumindo ainda outra morte criminosa, em Felgueiras, em coautoria com a companheira. Ambos ficaram em prisão preventiva, mas Armindo continuou na cadeia, porque tinha sido legalmente condenado.
Criou-se então um imbróglio jurídico sem precedentes que só foi resolvido julgando de novo Armindo, juntamente com o casal. Artur e a companheira foram condenados a 20 e 18 anos e o sobrinho absolvido, tendo sido libertado em dezembro de 2014.
Armindo processou então o Estado e o Tribunal da Relação de Guimarães deu-lhe razão, mas entendeu que o arguido "contribuiu de forma relevante para a aplicação da prisão preventiva, na medida em que confessou os factos perante órgão de polícia criminal e colaborou de forma ativa na reconstituição". De qualquer forma, atribuiu-lhe uma indemnização de 62 mil euros, em vez dos 500 mil que ele pedia inicialmente ao Estado. Os juízes do Supremo Tribunal de Justiça foram no mesmo sentido e a decisão transitou em julgado em setembro do ano passado. Só que, até hoje, o Estado não pagou voluntariamente.
"Tivemos de instaurar uma execução contra o Estado para penhora de bens do Estado a fim de obter pagamento do valor fixado pelo tribunal", disse ao JN Paulo Gomes, advogado de Armindo Castro, que sempre lamentou o facto de ninguém ter efetuado um pedido de desculpas ao seu cliente por este "clamoroso erro judiciário".
Lei
Direito de exigir compensação por injustiça
O artigo 225.º do Código de Processo Penal prevê que quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente. Foi ao abrigo desta lei que a Armindo Castro foi atribuída uma indemnização por parte do Estado.
Pormenores
Preventiva
Armindo Castro esteve preso preventivamente dois anos, seis meses e um dia na cadeia de Paços de Ferreira.
Sem erro grosseiro
Os juízes entendem que Armindo tem direito a uma indemnização, mas não acreditam ter existido um erro grosseiro, quer na investigação quer nos julgamentos.
Outro homicídio
Em 2016, Artur Gomes foi condenado a 23 anos de cadeia pelo homicídio de Sónia Soares, uma vizinha, em Felgueiras. A então companheira, Júlia Lobo, apanhou 18 anos.