Peritos do Conselho da Europa vieram a Portugal e ficaram preocupados com discurso de ódio.
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O Conselho da Europa está “profundamente preocupado com os casos de violência racista, motivada pelo ódio, em Portugal”. Num relatório publicado hoje, os peritos da Comissão Europeia Contra o Racismo e Intolerância (CECRI) destacam as “agressões contra migrantes e pessoas LGBTI que envolveram grupos neonazis” e mostram-se alarmados “com o aumento acentuado do discurso de ódio” no país, incluindo por partidos como o Chega. O documento salienta, também, “investigações seletivas” por parte de polícias e uma “baixa taxa de sanções por crimes racistas” nos tribunais.
“A CECRI manifesta alarme com os testemunhos ouvidos durante a visita de 2024 a Portugal, segundo os quais a discriminação e o assédio são experiências comuns entre pessoas negras, inclusive em espaços públicos como restaurantes e bares”, referem os peritos europeus.
Foi com base nestes testemunhos e em dados estatísticos que o organismo concluiu que, em Portugal, registou-se “um acentuado aumento do discurso de ódio, que parece visar predominantemente migrantes, pessoas ciganas, LGBTI e negras”.
“O discurso anti-imigrante é comum em debates políticos, através da disseminação de desinformação que associa migrantes à criminalidade ou os retrata como um peso para o sistema social português”, lê-se num relatório em que os especialistas europeus “partilham as preocupações” relativamente “à retórica dos representantes do partido de extrema-direita Chega” sustentada no “anticiganismo, no racismo antimuçulmano e antinegro para angariar apoio público”.
Para provar que “as comunidades ciganas têm sido alvo significativo de discurso de ódio”, e que este também é “generalizado” relativamente a pessoas negras, a CECRI lembra que “várias escolas e universidades foram vandalizadas com mensagens de teor racista” e “uma deputada negra [Joacine Katar Moreira] foi mandada “de volta ao seu país de origem pelo líder do Chega”. “Insultos racistas e suásticas apareceram nas paredes de instalações de ONG antirracistas e ativistas negros têm sido frequentemente alvo de ameaças”, acrescenta.
Confiança minada
As críticas do Conselho da Europa visam, igualmente, professores, polícias e magistrados. Os primeiros, alega-se, não têm formação para travar o aumento de casos de bullying que “afetam particularmente os alunos migrantes, negros, ciganos e LGBTI”. Os segundos “nem sempre registam elementos motivados por ódio quando recebem as queixas” e lideram “investigações que, em casos que envolvam alegações de racismo e abusos policiais, são seletivas”. Os terceiros contribuem para “uma baixa taxa de sanções para os crimes racistas”.
A este respeito, o relatório lembra que, em 2023, a “PSP abriu seis processos disciplinares relacionados com alegações de discriminação racial por parte de agentes, enquanto a GNR registou cinco queixas por alegado comportamento xenófobo”. “As preocupações quanto a abusos policiais racistas e de outra natureza em bairros periféricos, especialmente aqueles com maior proporção de migrantes, pessoas negras e ciganas entre os seus residentes, contribuíram para a desconfiança em relação à Polícia por parte de alguns segmentos da população”, frisa a CECRI.
Propostas europeias
A Comissão Europeia Contra o Racismo e Intolerância, do Conselho da Europa, fez várias recomendações ao Estado português
Novo plano
Ao preparar um novo plano de ação contra o racismo e a intolerância, propõe o Conselho da Europa, Portugal necessita de conceber “medidas sólidas destinadas a combater o discurso de ódio e os crimes de ódio racistas e anti-LGBTI”, em colaboração com organizações da sociedade civil.
Regras e formação
Portugal precisa de “adotar, com caráter prioritário”, procedimentos operacionais padrão, para ajudar as forças de segurança a processar, “de forma eficaz e coerente”, os crimes de ódio. Estes procedimentos devem ser acompanhados de programas de formação para todos os polícias e profissionais da justiça criminal.
Maior proximidade
As autoridades nacionais devem “tomar medidas para melhorar as relações” entre os polícias e os migrantes, pessoas negras, LGBTI e ciganas”. Deve ainda ser feito “um estudo sobre a prevalência de comportamentos racistas e discriminatórios por parte da Polícia”.
Melhor currículo
Ao país cabe assegurar que a educação em matéria de direitos humanos seja “parte integrante do currículo escolar”. Deve prevenir o assédio e a discriminação racistas e anti-LGBTI nas escolas.
Justiça
347 queixas
As Polícias receberam, em 2023, 347 queixas por discriminação e incitamento ao ódio e à violência.
Três condenações
Em 2021, as Polícias investigaram 150 casos, mas só cinco resultaram em acusação. Houve três condenações.