Um padre jesuíta, ex-diretor-geral do Colégio das Caldinhas, em Santo Tirso, foi acusado de seis crimes de perseguição. Segundo a acusação do Ministério Público (MP) o arguido, de 52 anos, afastava, ameaçava e intimidava todos aqueles que discordassem de si ou lhe desagradassem numa postura de "agressão laboral e de completo controlo" sobre a sua atividade profissional.
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Segundo um comunicado da Procuradoria-Geral Distrital do Porto, o MP considerou como "fortemente indiciado que, entre os anos de 2018 e 2019, o arguido, para fazer valer o seu poder, decidiu afastar de qualquer forma e por todos os meios, todos aqueles que, sob a sua direção, lhe levantassem qualquer objeção, lhe desagradassem ou desobedecem em qualquer das suas exigências, recorrendo de forma sistemática à humilhação, às ameaças veladas ou explícitas de procedimentos disciplinares e de despedimento, e à perseguição de várias pessoas, colaboradores das escolas e das instituições canónicas".
A acusação acrescenta que, "em concreto, agiu contra seis ofendidos, numa postura de agressão laboral e de completo controlo sobre a atividade profissional destes, perturbando-os a todas as horas dentro e fora do horário laboral, dando ordens constantes, exigindo respostas imediatas sobre assuntos que extravasavam as suas funções, atingindo, por essa forma, a saúde física, psíquica e dignidade pessoal dos mesmos".
Queixas reveladas em 2020
Em 2020, fora noticiada a existência de diversas queixas-crime de assédio moral contra o padre jesuíta Filipe Martins por parte de funcionários e ex-colaboradores. Na altura, fontes ligadas ao processo, garantiam ao JN que dentro da instituição de ensino de Santo Tirso, que compreende cinco escolas, o clima era "de medo".
Além das denúncias criminais, foram feitas "dezenas de queixas" à Autoridade para as Condições de Trabalho e os administradores do colégio chegaram a enviar uma carta para Roma, endereçada ao responsável máximo da Companhia de Jesus, na qual descreveram a "grande perturbação" e a "perseguição" de que alegadamente começaram a ser vítimas a partir do momento em que Filipe Martins assumiu a direção do Colégio das Caldinhas. Após o caso ter vindo a público, o padre jesuíta acabaria por ser nomeado para outras funções em Bruxelas.
Semeou "suspeições e intrigas"
Tudo começou em setembro de 2018, quando o sacerdote chegou às Caldas da Saúde, em Areias, com a missão de dirigir o colégio. Desde logo, a atuação do padre, que assumiria o cargo de diretor-geral em dezembro desse ano, "provocou muita turbulência", ao semear "suspeições e intrigas", indicaram as fontes.
Em 2020, através de comunicado, a Província Portuguesa da Companhia de Jesus confirmava "ter conhecimento de apenas quatro queixas [crime]" e alegava que, "assim que foi indicado um novo diretor para o colégio, instalou-se um clima de resistência interna ilegítima e coordenada por parte de alguns elementos diretivos, que foi crescendo e envolvendo outras pessoas".
"Humilhação e ameaças veladas ou explícitas"
Entendimento diferente dos factos teve o MP, que, este mês, acusou formalmente o padre Filipe Martins de perseguição. A acusação, citada pelo jornal Público, refere "interrogatórios inquisitoriais" e o recurso "de forma sistemática à humilhação, às ameaças veladas ou explícitas de procedimentos disciplinares e de despedimento" por parte do arguido.
O arguido terá ainda sobrecarregado um administrador do colégio com "tarefas desadequadas", pedindo-lhe, por exemplo, para trazer um aquecedor a óleo, ou que resolvesse um problema de ruído no seu telefone.
Conflito "tem vindo a ser resolvido e ultrapassado"
Confrontada com a acusação do MP, a Província Portuguesa da Companhia de Jesus (PPCJ), à qual pertence o Colégio das Caldinhas, lembra que as acusações remontam a 2020 e explica que "queixas surgiram num contexto de um conflito laboral que se viveu no Colégio no passado, e que tem vindo a ser resolvido e ultrapassado".
"Tal como já afirmado em 2020, a Província Portuguesa da Companhia de Jesus renova a sua confiança na dedicação, empenho e profissionalismo do padre (...). Renova igualmente a sua confiança no normal funcionamento da Justiça e aguarda com serenidade pelo final deste processo", afirma a PPCJ.
Refira-se que o padre Filipe Martins é agora delegado social europeu dos jesuítas e dirige o Centro Social Jesuíta Europeu, em Bruxelas. O Colégio das Caldinhas é um complexo educativo da Companhia de Jesus onde funcionam cinco escolas nas quais trabalham 250 educadores e estudam 1500 alunos.