O ex-gestor da fortuna de Helder Bataglia na Suíça, Michel Canals, garantiu esta terça-feira, no primeiro dia do julgamento de Ricardo Salgado, não se lembrar do porquê do empresário luso-angolano ter, há uma década, mandado transferir 1,5 milhões de euros para uma sociedade, sediada no Panamá, controlada pelo ex-banqueiro.
Corpo do artigo
A quantia integra, segundo o Ministério Público (MP), os 10,7 milhões de euros que Ricardo Salgado terá desviado, em 2011, do Grupo Espírito Santo (GES) para a sua esfera pessoal. O antigo banqueiro, de 77 anos, responde por três crimes de abuso de confiança e esteve, esta terça-feira, ausente do início do seu julgamento, em Lisboa, num processo separado, em abril de 2021, da Operação Marquês.
A sessão começou, por isso, com a audição das primeiras testemunhas arroladas pelo MP: Francisco Machado da Cruz, responsável de contabilidade do GES entre 2004 e 2014, e Michel Canals.
Acusado no processo principal à queda do Banco Espírito Santo (BES), Machado da Cruz invocou, inicialmente, o seu direito a não se incriminar para não responder às questões do tribunal, mas acabou por fazê-lo após ser avisado de que a justificação para a recusa poderia ser, mais tarde, avaliada judicialmente.
"Só o facto de conhecer o Dr. Ricardo Salgado pode ser aproveitado pelo Ministério Público para me incriminar de novo", alegou o ex-contabilista do GES. Francisco Machado da Cruz confirmou, ainda assim, que foi administrador da Espírito Santo Enterprises, de onde terá saído o dinheiro de que o ex-líder do BES alegadamente se apropriou.
O destino terão sido duas sociedades offshore, sediadas no Panamá, controladas por Salgado: a Begolino e a Savoices. Numa das ocasiões, o dinheiro terá passado, no percurso entre a Enterprises e a Savoices, por uma conta de uma sociedade controlada por Helder Bataglia. Este foi, no final da instrução da Operação Marquês, ilibado de todos os crimes de que fora acusado.
Esta terça-feira, Michel Canals, gestor da fortuna do empresário luso-angolano à data dos factos, foi confrontado com um documento em que Hélder Bataglia ordena a transferência de 1,5 milhões de euros para a Savoices, mas foi incapaz de recordar o porquê do movimento.
"Não consigo ver a justificação no documento. Com certeza falou-se verbalmente desta justificação, mas não me lembro especificamente qual foi", afirmou, com recurso a um intérprete, o ex-gestor suíço, que disse ter-se encontrado, ao longo dos anos, cerca de 200 vezes com Helder Battaglia.
Já quanto a Ricardo Salgado, Canals confirmou apenas que a Savoices era gerida por uma outra pessoa da sua firma, sublinhando não perceber que "outra atividade" poderia aquela sociedade ter, naquele âmbito, que não fosse "a entrada e a saída de dinheiro".
O julgamento continua na quinta-feira, 8 de julho, com a audição do inspetor que coordenou a investigação da Autoridade Tributária na Operação Marquês, Paulo Silva. Ricardo Salgado tinha sido, inicialmente, acusado pelo MP de 21 crimes, mas 18 acabaram por cair no final da instrução do processo, há três meses.
Na contestação entregue no início do julgamento, o ex-presidente do BES nega também a prática dos três crimes de abuso de confiança, falando, antes, em "empréstimos". Salgado incorre, por cada um dos crimes, numa pena que pode ir até oito anos de prisão.