Ex-GNR utilizou dinheiro de milionária estrangeira para mudar de vida. Após divórcio, ela exigiu em tribunal 300 mil euros doados e 826 mil emprestados para negócio em Vila Nova de Gaia.
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Um ex-militar da GNR foi condenado pelo Juízo Central Cível do Tribunal de Vila Nova de Gaia a restituir 300 mil euros que a ex-mulher lhe havia doado para adquirir um bar de praia na Madalena. A sociedade que explorava o bar, gerida por si e por um sócio, terá ainda de devolver à ex-companheira, também sócia da empresa, 826 mil euros que esta emprestara à firma. Ele recorreu mas, em janeiro, o Tribunal da Relação do Porto manteve a decisão. A queixosa terá de receber 1,1 milhões de euros em 90 dias.
O português e a mulher, de nacionalidade belga e chilena, casaram em 2012. Dada a "enorme desproporção de patrimónios", sendo o dela de "uma dimensão muito significativa", casaram com separação de bens e convenção antenupcial. Após fixarem residência em Portugal, o homem deixou a GNR e ela decidiu proporcionar-lhe "um negócio, escolhido por ele".
Doou 300 mil para bar
Em outubro de 2014, a milionária transferiu-lhe 300 mil euros para ele comprar um bar na praia da Madalena, em Gaia, destruído por um incêndio pouco antes. A aquisição e exploração do bar foi feita através de uma sociedade detida pelo ex-militar (60%), a mulher (20%) e um amigo dele (20%), filho do assessor jurídico do casal. Os dois amigos ficaram com a gerência do negócio
Entre 2015 e 2017, a mulher entregou à sociedade 961 mil euros. Já após o divórcio, em janeiro de 2021, solicitou a restituição de 826 mil euros, uma vez que só lhe tinham devolvido 135 mil euros. Como nada recebeu, avançou com uma ação judicial a pedir o reembolso no prazo de 90 dias. A firma contestou e alegou que tinham sido empréstimos ou doações dela ao ex-marido e que os suprimentos tinham sido da responsabilidade dele.
Em primeira instância, o tribunal deu razão à ex-mulher. Revogou a doação de 300 mil euros e condenou o ex-marido a devolvê-la. Impondo ainda um prazo de nove meses para o reembolso dos 826 mil euros.
Os réus - o ex-GNR e a sociedade - recorreram. Desta vez, alegaram que tanto os 300 mil euros como as restantes verbas tinham sido usadas na compra e reconstrução do bar. Ou seja, beneficiaram a sociedade, da qual a autora da ação também era titular. Assim, a manter-se, a decisão resultaria num enriquecimento injustificado da mulher: recebia de volta os 300 mil euros e beneficiava dos 300 mil euros colocados na sociedade para adquirir o bar.
Já quanto aos 826 mil euros, o recurso defendia que tinham sido um investimento para proporcionar um negócio ao ex-marido e que fora acordado que só seriam restituídos à medida que os lucros da exploração o permitissem. Ou seja, a mulher sabia e aceitou que não estava garantido o reembolso da verba.
Recurso foi rejeitado
A Relação do Porto não deu provimento ao recurso. Desde logo porque a doação dos 300 mil euros não podia ter sido feita à sociedade, pois ela nem sequer existia nessa altura. E, sendo uma doação entre cônjuges, a lei diz que é revogável por qualquer motivo e a todo o tempo.
Os juízes consideraram ainda que as transferências para a sociedade foram feitas a título de empréstimo e que a verba não foi afetada ao capital social, pois a mulher esperava a sua restituição, eventualmente com juros. Além disso, os réus não conseguiram demonstrar que as verbas não eram suprimentos, pelo que têm de ser judicialmente qualificadas como tal. Assim, é exigível a sua devolução, concluíram os juízes da Relação do Porto.
O ex-militar terá de devolver 300 mil euros à mulher, começando-se a contar juros a partir da data da citação, e a empresa tem nove meses para a reembolsar de 826 mil euros.
Pormenores
Separação de bens
Os arguidos casaram na Bélgica em regime de separação de bens, após assinarem uma convenção antenupcial para proteger o património de "dimensão significativa" dela.
Doação anulável
O Código Civil estipula que as doações entre casados podem ser revogadas pelo doador a todo o momento, sem precisar de justificação. E é um direito não renunciável.
Evitar extorsão
O objetivo desta lei é evitar que um dos cônjuges, através de ascendente físico, intelectual ou moral, possa extorquir bens ao outro, contornando o regime de bens celebrado.