Os dois anteriores provedores da secular Irmandade de Santa Cruz vão ser julgados, no Tribunal de Braga, a par de diretora técnica e da própria instituição, igualmente arguidas. Estão acusados de burla tributária agravada contra a Segurança Social (SS), de 52 mil euros. O lar terá recebido indevidamente comparticipações por um casal que não tem dificuldades financeiras, nem esteve internado no lar.
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Carlos Vilaça e Luís Rufo, este último advogado em Braga, já negaram tais acusações, assim como a diretora técnica, Liliana Cerqueira. Porém todos serão julgados, tal como a instituição religiosa, porque uma inspeção da SS apurou irregularidades na Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), sendo que no caso do casal constituem crime.
Segundo a acusação do Ministério Público (MP), à qual o JN teve acesso, entre 2013 e 2019, no período de vigência de ambos os ex-provedores e com a cumplicidade da diretora técnica, a instituição registou o nome do casal na SS como se residisse naquele lar e recebesse cuidados diários. A instituição obteve assim apoios relativos ao casal que apenas pernoitava no lar esporadicamente.
Januário e Miquelina, residentes em Cabeceiras de Basto, fizeram um contrato de admissão em 2009, mas para usufruírem do quarto apenas quando se deslocassem a Braga, para tratamentos médicos externos à instituição. Para o MP, nunca estariam abrangidos pelo apoio social dado à Irmandade para cuidar de idosos carenciados. Quando foi admitido, o casal entregou 200 mil euros ao lar, passando a poder usar, de forma vitalícia, um quarto duplo, com WC privativo.
Como concluiu a SS, que encaminhou as conclusões da inspeção o MP, nunca poderia existir comparticipada, porque o contrato celebrado em 2010 entre o Estado e a Irmandade obriga a dar prioridade aos idosos mais desfavorecidos, o que não era o caso.
"Além de serem pessoas autónomas e com residência permanente em Cabeceiras de Basto, deslocam-se ocasionalmente apenas à ERPI, que não integram", refere o MP, afirmando "ter sido este um contrato atípico e não se enquadrando nos objetivos e prioridades traçados para esta resposta social, nem com os estatutos da Irmandade".
Ainda segundo o MP, aquela situação "privilegia, em detrimento de outros com efetiva necessidade, a ocupação de um quarto duplo, de forma descontínua, assente em exclusivos interesses económicos, desvirtuando assim todos os objetivos de cooperação" do Estado com a instituição.
Os dois ex-provedores e a instituição já contestaram a acusação. Foi pedido à SS para emitir uma guia, a fim de devolver os 52 mil euros, mas ressalvando "discordar do teor da acusação e reafirmando que não foi praticado qualquer ato ilícito", como a burla tributária agravada.
Luís Rufo suspeito de ser falso advogado
Luís Rufo, um dos dois ex-provedores da Irmandade de Santa Cruz acusados, é suspeito de ter falsificado certidões que lhe permitiram obter uma licenciatura em Direito há 30 anos.
Uma notícia do "Nascer do Sol" garante que Luís Manuel Gonçalves Rufo, de 67 anos, exerce indevidamente advocacia desde 7 de janeiro de 1993, em Braga, onde reside.
Natural de Viana do Castelo, foi provedor durante seis anos, entre 2014 e 2020, período durante o qual foi investido Cavaleiro da Ordem dos Templários, numa cerimónia solene que se realizou na Igreja de Santa Cruz, onde Luís Rufo já era o provedor.
Pormenores
Absolvido
O anterior provedor da Irmandade de Santa Cruz, Carlos Vilaça, que é um dos quatro arguidos deste processo, já tinha sido absolvido da acusação de corrupção passiva no setor privado, por alegadamente exigir o pagamento de joias a idosos para serem admitidos naquele lar.
Irmandade ilibada
A 21 de fevereiro de 2022, o Tribunal de Braga ilibou também a Irmandade de Santa Cruz, que recebeu 297 mil euros, de "donativos" de onze idosos, com verbas entre 40 e 10 mil euros. Foi considerado não haver crime, mas admitiu-se ser um processo com natureza cível.