O Tribunal de Instrução de Braga mandou julgar quatro arguidos, dois deles de um crime de corrupção ativa agravada e os outros dois de um crime de burla qualificada na forma tentada. O caso envolve um falso procurador, que com a cumplicidade de outros dois arguidos, convenceram o quarto a pagar 50 mil euros para se ver livre de uma pulseira eletrónica. O que nunca aconteceu.
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A Procuradoria-Geral Distrital do Porto dá conta hoje, no seu site, que o despacho de pronúncia valida a totalidade da acusção elaborada pelo Ministério Público (MP).
O procurador da República considerara indiciado que, em fevereiro de 2020, um dos arguidos, mecânico de profissão, a quem, em 2018, fora imposta a medida de coação de permanência na habitação com pulseira eletrónica (por causa de outro crime), contactou um seu cliente na oficina, o qual lhe disse que conhecia um terceiro, empresário da noite com uma dancetaria em Priscos, Braga, que poderia ajudá-lo a ver-se livre do dispositivo e da medida de coação.
O "arranjo" seria feito com a ajuda de um procurador da República, amigo do empresário, a quem chamava "padrinho". A acusação diz que, depois de contactos telefónicos, o "procurador" - que afinal era um oficial de Justiça no tribunal da Póvoa de Lanhoso - terá dito ao intermediário que, para acabar com a pulseira, seriam necessários 50 mil euros, a título de "fiança", e aguardaria o julgamento em liberdade. Ao transmitir-lhe as condições, o intermediário leu-lhe até um papel com os atos jurídicos tidos como necessários para revogar a pulseira indicados pelo "magistrado".
Depois de pedir uns dias para conseguir o dinheiro e de várias reuniões, o interessado entregou, em duas tranches, 50 mil euros ao amigo do procurador, 20 mil duma vez e 30 doutra. Verba que, sustenta o MP, foi dividida entre os dois, após uma visita a casa do oficial de Justiça, em Braga.
Entretanto, o tempo foi passando e o corruptor continuava com a dita pulseira, apesar da medida de coação ser revista trimestralmente. Aí, questionou o intermediário e este ligou por WhatsApp, pondo a chamada em voz alta, tendo o "procurador" dito que a medida ainda seria alterada, e que só o não fora devido à pandemia do covid que paralisara os tribunais.
Ao fim de alguns meses, sem se ver livre da medida de coação, o arguido acabou por fazer uma denúncia à Polícia Judiciária de Braga que investigou o caso. Antes, pediu a devolução da verba, mas o intermediário apenas lhe deu três mil euros. Apesar da denúncia acabou por ser acusado de corrupção ativa, enquanto o amigo que lhe indicou a solução, responderá pelo mesmo crime, mas na forma de "cumplicidade". E ambos vão ter de pagar, se forem condenados, 50 mil euros ao Estado, correpondentes à vantagem obtida com o crime.
Já os supostos beneficiários do dinheiro estão acusados de burla qualificada.
"Procurador" nega
No inquérito o suposto magistrado diz ter-se encontrado com a vítima, a quem negou saber da entrega de 50 mil euros e garantiu-lhe: "Ninguém pode afirmar isso", sustentou.
Admitiu apenas que conhecia o empresário da noite intermediário "desde miúdo" e que este ia a sua casa, mas garantiu que, depois de confrontado pela vítima, o questionou sobre a alegada entrega do dinheiro, tendo ele dito que não era verdade.
Este arguido declarou, ainda, que não tentou aceder ao processo no seu posto de trabalho, nem pediu a colegas de Braga que o fizessem. E que, em 38 anos de profissão, nunca foi acusado de nada. A PJ viu as suas contas bancárias e os registos de bens - móveis e imóveis - (atualmente na reforma), da mulher e da filha, e nada encontrou. E em casa nada havia de valor.