O Tribunal da Relação do Porto mandou repetir o julgamento do processo por burla na obtenção de créditos que terá lesado o Banco Montepio em 2,8 milhões de euros, num esquema que envolveu a dependência de Santa Maria da Feira. Considera que a prova produzida não foi cabalmente fundamentada para condenar os arguidos nos crimes de burla e houve vícios insanáveis".
Corpo do artigo
Os juízes da Relação do Porto decidiram por unanimidade "determinar o reenvio do processo para novo julgamento (...) relativo à totalidade do seu objeto" depois de detetarem "vícios insanáveis de contradição insanável na fundamentação da decisão e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada".
Quatro arguidos, com idades entre 44 e 68 anos, tinham sido condenados, a 10 de setembro de 2019, pelo Tribunal da Feira, a penas entre seis e 12 anos de prisão, sendo dado como provado que estiveram envolvidos num esquema fraudulento de concessão de créditos a particulares e empresas que não vieram a ser pagos, apropriando-se de cerca de 1,1 milhões de euros.
Grande parte dos empréstimos foi concedida a "empresas na hora" que os arguidos credibilizaram e justificaram através de documentação falsa, sendo que a maioria destas empresas não registou qualquer atividade económica. De acordo com o processo, o dinheiro dos empréstimos era depois creditado nas contas destas empresas e uma parte considerável do mesmo era transferida para contas bancárias dos arguidos ou de familiares.
Contudo, os arguidos recorreram deste acórdão e, a 24 de setembro de 2020, a Relação colocou em causa despachos proferidos pelo juiz-presidente durante o julgamento, porque os mesmos eram "da competência do tribunal coletivo e, por isso, deveriam ter sido decididos por meio de deliberação". Foram anulados e o processo enviado para o Tribunal da Feira para novos despachos.
Contudo, foram mantidas as condenações dos arguidos que, mais uma vez, recorreram para a Relação. Na decisão desta quarta-feira os juízes desembargadores mandam repetir todo o julgamento que se tinha iniciado em março de 2018, durou cerca de ano e meio e contou com mais de 100 testemunhas.
Ao longo das três centenas de páginas, a Relação reforça que o Tribunal da Feira deu como provado que os arguidos agiram em coautoria material, sob a forma consumada e com dolo direto, relativamente a todos os crimes de burla qualificada. "Porém, na concretização de todas as situações que consubstanciaram tais crimes, o tribunal: a) não concretizou, factualmente, o ardil b) não concretizou qual foi a participação concreta de todos os arguidos nas "situações" provadas (...)".
"A decisão da matéria de facto vertida na decisão recorrida é tudo menos clara, sendo ainda manifestamente contraditória e apresentando insuficiências - conforme atrás concretizado - que integram, respetivamente, os vícios de contradição insanável na fundamentação da decisão e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada", refere ainda o acórdão da Relação.
Ao JN, Mota Pinto, advogado de um dos arguidos, confirmou ter já sido notificado do acórdão. "Efetivamente o julgamento vai ter que ser todo repetido, em virtude da decisão da Relação ao considerar que há uma contradição insanável entre a matéria dada como provada e a fundamentação da decisão", explicou.
Arguidos com cadastro
Entre os quatro arguidos está um antigo gerente do balcão da Feira do Montepio, condenado a 12 anos de prisão por 36 crimes de burla qualificada e um de branqueamento de capitais. Encontra-se a residir no Brasil e foi ainda condenado a pagar 2,8 milhões de euros ao Montepio e 1,1 milhões de euros ao Estado, com os restantes acusados.
Outro dos arguidos é um comerciante dos ramos automóvel e imobiliário que terá sido o principal beneficiário do dinheiro recebido. Foi condenado a dez anos de prisão por 20 crimes de burla qualificada e um de branqueamento, além de uma multa por detenção de armas proibidas.
Os quatro arguidos também estavam acusados de associação criminosa, mas foram absolvidos deste crime.