Funcionários, indiciados por corrupção, vão aguardar o desenrolar do processo em prisão preventiva. PJ desconfia que subornos seriam iniciativa dos próprios funcionários da Autarquia de Lisboa.
Corpo do artigo
14883265
Dois fiscais da Câmara Municipal de Lisboa (CML) são suspeitos de, nos últimos meses, terem abordado mais de meia dúzia de pessoas para que estas lhes pagassem "luvas" pela legalização, sem os procedimentos necessários, de obras particulares sem alvará que tinham já em curso, apurou o JN. Uma delas recusou e denunciou-os às autoridades.
Esta semana, os dois funcionários acabaram por ser surpreendidos pela Polícia Judiciária (PJ) quando o dono de uma obra numa casa particular lhes entregava, em plena rua, dois mil euros. Os dois funcionários vão agora aguardar, por decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal, o desenrolar do processo em prisão preventiva. Já o responsável pela obra fica proibido de contactar com os restantes arguidos. Estão os três, segundo a PJ, indiciados por corrupção.
De acordo com informações recolhidas pelo JN, os dois fiscais da Divisão de Fiscalização de Obras da CML têm cerca de 45 e 60 anos e terão, desde há algum tempo, usado a função para saber quem realizava pequenas obras ilegais em habitações. Com essa informação em seu poder, diriam depois aos responsáveis pelas empreitadas que bastaria que estes lhes pagassem determinada quantia para que a situação ficasse resolvida.
Já com a PJ alertada, a negociação mais recente acabou por ser acompanhada em tempo real, com os dois funcionários e o dono de uma obra, com cerca de 60 anos, a serem apanhados em flagrante pelos inspetores.
Apreendidos 60 mil euros
"A ação desenvolveu-se na cidade de Lisboa e visou o acompanhamento de um encontro, previamente agendado, entre dois fiscais daquela Divisão de Fiscalização e um cidadão de uma obra em curso", refere, em comunicado, a PJ, acrescentando que, após a detenção dos suspeitos, "foram realizadas buscas domiciliárias" e "não domiciliárias nos postos de trabalho localizados" na Autarquia.
Na operação, sabe o JN, foram apreendidos aos dois funcionários cerca de 60 mil euros em numerário, além de prova considerada relevante. O valor das "luvas" variaria de caso para caso.
A investigação prossegue, sendo expectável que, em breve, sejam constituídos mais arguidos. A PJ acredita ainda que o número de pessoas abordadas terá sido bastante superior às mais de seis já identificadas.
O inquérito, aberto há poucos meses, está a cargo da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, sob tutela da 3.ª Secção do Departamento de Ação e Investigação Penal (DIAP) do Ministério Público de Lisboa.
Não abrange políticos
Contactada esta terça-feira pela Lusa, a Autarquia liderada desde setembro de 2021 por Carlos Moedas (PSD) sublinhou que, "para o atual Executivo, a transparência e o combate à corrupção são uma prioridade central no trabalho que é desenvolvido diariamente na Câmara Municipal de Lisboa".
Já o anterior presidente do Município e atual ministro das Finanças, Fernando Medina (PS), disse esperar que "quem tenha prevaricado relativamente ao exercício de funções pública sofra a sanção adequada que a lei prevê", ressalvando que a alegada corrupção "não envolve nenhum membro do executivo camarário".
Questionado pelos jornalistas, em Bruxelas (Bélgica), sobre se, durante a sua gestão, alguma vez teve conhecimento de problemas de corrupção na Divisão de Fiscalização, o antigo presidente da Câmara foi perentório: "Naturalmente que não tive [conhecimento], porque senão teria relatado."