Rede de empresários causou prejuízos ao Estado de 24 milhões de euros. Líder chegou a ter 20 lojas espalhadas pelo país.
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Passaram mais de 64 milhões de euros de faturas falsas e prejudicaram os cofres do Estado em 24 milhões em impostos, no tempo da crise em que as lojas de compra e venda de ouro abriam como cogumelos. Mas a rede de 16 empresários, liderada por um indivíduo residente na Maia, acabou recentemente condenada pelo Tribunal de Matosinhos, que obrigou a maioria a devolver os milhões, para poderem beneficiar de penas suspensas. Só os dois principais arguidos foram sentenciados com penas de prisão efetiva, de dez e de cinco anos.
Nos anos da troika, as exportações de ouro batiam recordes e o negócio milionário da compra e venda de ouro usado tinha lojas em todo o lado. Só o principal arguido, Manuel Reis, hoje com 67 anos, chegou a abrir 53 estabelecimentos. O homem, que foi detido em 2012, numa megaoperação da Polícia Judiciária e da Direção de Finanças do Porto, é o arguido agora condenado a dez anos de prisão por fraude fiscal qualificada e branqueamento. Está em liberdade e ainda pode recorrer para o Tribunal da Relação do Porto.
"Tesouros perdidos"
Segundo o acórdão do Tribunal de Matosinhos, que tem 1391 páginas, Manuel Reis era o gerente de facto da cadeia de lojas Tesouros Perdidos e, entre 2008 e 2012, causou um prejuízo de 16,3 milhões de euros ao Estado. A firma tinha duas dezenas de lojas espalhadas pelo país que angariavam toneladas de ouro usado. Poucas aquisições seriam declaradas, mas o ouro seguia para Matosinhos, a sede da Tesouros Perdidos, que negociava diretamente com os exportadores. O metal tinha por destino a Bélgica, já numa relação transparente com o Fisco. É que as firmas internacionais exigiam documentação oficial em todas as transações. Para o efeito, Manuel Reis recorreu então aos cúmplices para lhe fornecerem faturas falsas que não só permitiram ter uma aparente legalidade nas contas como lucrar à custa dos impostos.
"A Tesouros Perdidos obteve uma vantagem patrimonial ilegítima, pelo empolamento artificial de custos devido à utilização de faturas falsas e pela dissimulação de proveitos resultante da omissão de faturação", pode ler-se no acórdão a que o JN teve acesso.
Só no ano de 2012, enquanto a Tesouros Perdidos declarou vendas de 73 milhões aos exportadores, usou 242 faturas fictícias, representando 31 milhões de euros, fornecidas pela firma MCG Ouro, gerida por Manuel Bessa, o outro arguido condenado numa pena efetiva de prisão. Em 2012, a MCG não declarou qualquer venda.
Negócio
Exportação bateu recordes nos anos da troika
Durante os anos que antecederam a entrada da troika em Portugal, multiplicaram-se as lojas de compra e venda de ouro em Portugal. E quando o país foi resgatado, bateram-se recordes nas exportações. Entre 2011 (ano do resgate) e 2014, foram exportados 1,8 mil milhões de euros em ouro, que era proveniente das redes de lojas de compra do metal precioso. Eram as famílias quem, normalmente, recorriam a estes estabelecimentos para vender ouro usado e assim obter dinheiro rapidamente. O material seguia para empresas exportadoras belgas ou italianas. Desde 2015, as exportações regressaram a níveis anteriores.
Pormenores
Cinco empresas condenadas a multa
As sociedades Tesouros Perdidos, Oferta Recheada, Tesouro Simbólico, António Valente, Lda. e JVS foram condenadas a multas.
Confissões
Vários arguidos confessaram em tribunal terem produzido ou usado faturas de favor. Manuel Bessa, o principal acusado, reconheceu ter usado o esquema, mas apenas para "cobrir" compras não declaradas.
Rendimento social
Um casal arguido, que vive num bairro camarário de Gondomar, beneficiando do rendimento social de inserção, passou faturas de mais de 600 mil euros à Tesouros Perdidos.
Criminalidade
As autoridades suspeitam que algum do ouro exportado seja proveniente do crime.