Investigações da Polícia Judiciária contabilizam 2,3 mil milhões de euros. Áreas da indústria e da formação profissional lideram fraudes.
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Os casos de fraude na obtenção e desvio de subsídios públicos apurados pelas investigações da Polícia Judiciária (PJ) representam, nos últimos dez anos, um total de 2,3 mil milhões de euros. Um valor que dava para cobrir duas vezes o valor necessário para salvar a TAP. Desde 2015, a PJ abriu 443 inquéritos-crime e concluiu 120 processos, remetendo-os para o Ministério Público (MP).
Tem sido nas áreas da indústria, formação, agricultura, ambiente, tecnologias e desenvolvimento que a PJ tem iniciado mais investigações por suspeitas de fraude na obtenção e desvio de subsídios europeus. Em causa estão principalmente dinheiros do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), do Fundo Social Europeu (FSE) e ainda do programa Portugal 2020. Há dois ilícitos especialmente relacionados com a matéria: fraude na obtenção e desvio de subsídio.
"A fraude tem por elemento objetivo o pressuposto de a pessoa, quando faz a candidatura, não pretender fazer aquilo a que se está a candidatar. Já está planeado. Já o desvio assenta numa fase posterior. É quando a candidatura já está aprovada e, depois de ser pago o subsídio, em vez de o aplicar naquilo a que se propôs, o empresário aplica-o noutro fim", esclarece, ao JN, fonte da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ.
Isto é, o crime de fraude na obtenção de subsídio é habitualmente perpetrado por empresários que elaboram candidaturas com o intuito prévio de desviar dinheiro. Ou seja, antes sequer de submeter os processos de candidaturas às entidades que gerem os fundos europeus, os indivíduos arquitetam planos para, por exemplo, criar empresas fictícias, a fim de obter faturas falsas.
Os documentos servem apenas para, no papel, criar artificialmente custos suscetíveis de serem suportados por fundos europeus. Reunindo, na aparência, os requisitos de acesso, os empresários recebem o dinheiro, mas aplicam-no em benefício pessoal.
Inflação de faturas
Outro esquema prende-se com a inflação dos valores de faturas dos bens adquiridos, com o objetivo de os empresários não terem de reunir qualquer parcela de capital próprio para lançar o projeto. Exemplo: obtenção de uma fatura de um milhão para um bem que custa apenas 500 mil, permitindo embolsar a diferença e não dispor de verbas próprias.
"No caso de subsídios na agricultura, por exemplo, em vez de adquirir uma máquina nova, o indivíduo vai comprar uma máquina em segunda mão, que é apresentada como nova", explica a mesma fonte, que precisou não existir um modo de atuação único: "tudo depende do tipo de fundos". "No caso da formação profissional, empresas que já existiam há vários anos davam apenas dez horas de aulas em vez das 40 horas a que se tinham candidatado e pelas quais tinham recebido subvenções da União Europeia", adianta a fonte.
De acordo com os dados da PJ, o valor de 2,3 mil milhões de euros reporta-se a investigações iniciadas em 2015, mas cujos crimes foram perpetrados desde 2010, após as autoridades terem tido conhecimento das suspeitas de desvios.
Fiscalização preventiva evita crimes
A PJ tem vindo a fazer acompanhamento preventivo da aplicação do fundo "Portugal 2020". Na prática, os inspetores são chamados a fiscalizar e verificar as notícias de eventuais factos ilícitos reportados antes de os subsídios serem atribuídos. Esta ação preventiva permite assim evitar que PJ e Ministério Público tenham de "correr atrás do prejuízo" depois de o crime ter sido consumado e o dinheiro desaparecer.