Imigrantes pagavam caro por serviços prestados por grupo suspeito de se dedicar, desde 2022, "à legalização irregular e massiva de estrangeiros". Polícia Judiciária de Coimbra ataca organização criminosa com 200 inspetores, 40 buscas e 13 detenções.
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Uma funcionária do Ministério dos Negócios Estrangeiros tinha um “papel fundamental” numa rede suspeita de ajudar a legalizar “milhares” de imigrantes ilegais em dois a três anos e que foi agora desmantelada pela Diretoria do Centro da Polícia Judiciária. Esta deteve anteontem 13 pessoas, entre elas aquela funcionária pública, e apreendeu cerca de um milhão de euros em notas e um valioso acervo.
Em comunicado e posterior conferência de imprensa, a Polícia Judiciária fez, ontem de manhã, em Coimbra, o balanço da Operação Gambérria. Cerca de 200 inspetores, dois juízes, uma procuradora e representantes da Ordem dos Advogados participaram em 40 buscas domiciliárias e não domiciliárias em Coimbra, Espinho, Carregal do Sal, Amadora, Odivelas, Loures e Lisboa.
Entre os detidos, sete homens e seis mulheres, de idades entre 26 e 64 anos, estão sete empresários e uma advogada. São todos suspeitos de crimes de auxílio à imigração ilegal, corrupção, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.
“Da complexa investigação em curso, iniciada em setembro de 2023, resultou que este grupo criminoso terá vindo a dedicar-se à legalização irregular e massiva de cidadãos estrangeiros em Portugal, obtendo proventos financeiros na ordem dos milhões de euros”, informou a PJ, crendo que a atividade ilegal começou em 2022.
Atestava falsidades
A funcionária do Ministério dos Negócios Estrangeiros integrava a Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas. O diretor da PJ do Centro, Avelino Lima, detalhou que era um elemento “altamente relevante” no grupo criminoso, “considerando a função e o local onde trabalhava”. “Tínhamos uma toupeira, infelizmente, nesse Ministério e nesse serviço, que cessou com a sua atividade ontem [anteontem]. É um papel fundamental, porque acabava por dar veracidade a facto falso e isso depois tinha consequência jurídica relevante”, disse Avelino Lima.
Este explicou que o grupo anunciava, nas redes sociais, “possibilidades e facilidades”, mediante o pagamento de “um valor significativo”. Prometia contratos de trabalho, número de identificação fiscal (NIF), número de identificação de Segurança Social (NISS), número de utente do SNS, tradução e certificação de registos criminais, abertura de contas bancárias, atestados de residência.
“Do lado de cá, havia uma estrutura que fazia todo o trabalho para permitir que esses imigrantes, chegados cá, se pudessem legalizar”, afirmou Avelino Lima. “Muitos dos imigrantes legalizados por este grupo, apesar de figurarem como estando a trabalhar e a residir em Portugal, encontram-se na verdade noutros países do espaço europeu”.
“Estamos a falar de milhares de pessoas. Não temos dúvidas de que muitas delas, com maior ou menor esforço, conseguiriam regularizar a sua situação, noutras vai ter de ser tudo revisto, certamente”, avançou Avelino Lima. Os imigrantes serão do Brasil e do Hindustão.
Além de cerca de um milhão de euros em numerário, a PJ apreendeu documentação, equipamentos informáticos, 11 viaturas, duas presas de elefante em marfim com cerca de 50 quilos, bem como artigos utilizados nas falsificações de documentos, entre os quais um selo branco, encontrado numa empresa onde seriam “validados” milhares de certificados de registo criminal.
O Gabinete de Recuperação de Ativos da PJ também arrestou seis imóveis, 35 contas bancárias, dois produtos financeiros da empresa de jogos Betano e uma conta de criptoativos da Binance.
Dois processos no Alentejo
Todos absolvidos em megaprocesso
A 22 de novembro de 2022, cerca de 400 inspetores da PJ detiveram 35 pessoas em Beja, Cuba, Serpa e Ferreira do Alentejo. Seriam acusados de associação criminosa, tráfico de pessoas e branqueamento de capitais. Explorariam imigrantes e teriam assim faturado quase oito milhões de euros. No dia 31 de janeiro deste ano, os 18 arguidos levados a julgamento foram absolvidas. Só um arguido foi condenado, mas pelo crime de detenção de arma proibida, numa multa de 1200 euros.
Acusados 33 em “Operação Espelho”
Em 2023, a PJ voltou ao Alentejo para realizar a “Operação Espelho”, em tudo semelhante à de 2022. O novo processo tem 33 arguidos, com cinco homens e duas mulheres em prisão preventiva. O grupo foi acusado de crimes de tráfico de pessoas, associação criminosa, associação de auxílio à imigração ilegal, angariação de mão de obra ilegal, detenção de arma proibida e falsificação de documento. A acusação fala em lucros de 9,1 milhões de euros. Aguarda-se o julgamento.