Os funcionários da Câmara de Pedrógão Grande José Lopes e Isaura Antão confessaram, esta manhã, ter desviado dinheiro dos cofres do município, e manifestaram arrependimento, perante o coletivo de juízes do Tribunal de Leiria.
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Esta tarde será ouvida a terceira arguida. Os três são acusados de peculato, falsificação de documentos e branqueamento.
José Lopes confessou a prática dos crimes de que foi acusado pelo Ministério Público, embora os valores não coincidam. O então chefe de divisão na autarquia de Pedrógão Grande afirmou que “engendrou um plano” para desviar dinheiro da contabilidade, com o objetivo de ajudar uma contabilista da autarquia, que estava a passar por “muitas dificuldades financeiras”.
O arguido assumiu toda a responsabilidade pelos atos criminosos, e esclareceu que as outras duas acusadas só tinham participado no esquema de falsificação de pagamentos à Segurança Social e à ADSE, sem que tenha ficado qualquer montante por pagar a estas duas entidades. Confirmou, assim, os factos de que foi acusado, relativos à falsificação de documentos da Conservatória do Registo Predial, ao pagamento indevido de combustíveis, refeições e spray nasal.
Face às qualidades profissionais da terceira arguida e aos problemas financeiros que estava a atravessar, José Lopes confessou que lhe perguntou se havia “hipótese de falsificar alguma coisa”, para a tentar ajudar. “Passados uns tempos, a dra. Ana disse-me que tinha um programa que conseguia alterar os recibos da ADSE, que era quase impossível de detetar”, contou aos magistrados.
Contudo, quando decidiu contar a Isaura Antão, também funcionária da autarquia, com quem tinha um relacionamento amoroso, José Lopes disse que se mostrou “muito renitente”. “Disse que não queria colaborar nisso e que ia dar chatice”, recordou. “Passados mais uns dias, fomos almoçar os três e depois, com muito custo, arquitetamos esse plano”, afirmou. “Mal feito”, acrescentou.
Dinheiro em envelopes
“Começámos a fazer as falsificações e dividíamos o dinheiro pelos três”, confessou ao coletivo de juízes. “Eu nunca o gastei. Sou cristão e os meus pais sempre me ensinaram a não roubar”, justificou. O dinheiro era guardado em envelopes, que foram encontrados pelos inspetores da Polícia Judiciária, em 2018. “Lamento e estou arrependido. Foi um balde de água fria para a minha mãe, para as minhas filhas e para os meus amigos. Desde essa altura, sou olhado como um ladrão.”
Em relação aos crimes que diz terem sido cometidos apenas por ele, o ex-chefe de divisão explicou que pediu uma viatura de serviço ao presidente da Câmara de então, Valdemar Alves, mas como não havia, disse que ficou acordado que o município lhe pagaria o gasóleo do seu carro, através de um fundo de maneio de 500 euros, criado para o efeito.
José Lopes disse ainda que lhe pediram para abastecer o mais longe possível - Leiria ou Coimbra – pois usava o número de contribuinte do município, onde existia um posto de abastecimento de combustível. “Usava o meu cartão de crédito e cartão da Ageas Seguros, porque tinha descontos na Repsol”, relatou. “Sempre entendi isso como uma compensação pelas despesas.”
O arguido confirmou que também apresentava faturas de refeições, como “ajudas de custo”. “A contabilidade cabimentava e o senhor presidente autorizava o pagamento”, garantiu. Quanto às despesas com a aquisição de spray nasal, no valor de cerca de 700 euros, assumiu que foram pagas com dinheiro do fundo de maneio, mas garantiu que só o usava no gabinete por ser fechado, o que o fazia sentir “congestão nasal”.
Durante o seu depoimento, José Lopes referiu também que esse fundo de maneio era utilizados para pagar multas de trânsito, medicamentos e uma peça em vidro para oferecer ao então primeiro-ministro Passos Coelho, durante uma visita a Pedrógão Grande, que coincidiu com o dia do seu aniversário, porque o mestre vidreiro não passava faturas.
Devolver o dinheiro
“Depois, continuou e estou arrependidíssimo por fazer isso, para desenrascar a Câmara, mas assumo a responsabilidade”, afirmou o arguido, emocionado. Nesse sentido, disse aos magistrados que não gastou o dinheiro porque tinha intenções de o entregar ao município, por não se sentir bem com a situação. “Pensei em devolvê-lo no último dia antes de o presidente se ir embora. A minha estratégia passava por depositar o dinheiro da parte da manhã, porque o presidente só assinaria no final da tarde.”
Confrontado pelo procurador da República com o facto de dividirem o dinheiro entre os três quando o que pretendia era ajudar a arguida Ana, José Lopes disse que “tinha de mostrar que também precisava e estava conivente”. “Se tinha tanta desafogo económico, porque é que não ajudou do seu bolso?”, insistiu o magistrado. “Penitencio-me por isso”, respondeu o arguido.
O então chefe de divisão justificou ainda os milhares de euros que tinha em dinheiro em casa com pagamentos recebidos, ao longo de 30 anos, quando foi jogador de futebol. “Está a dizer que ganhou 80 mil euros no futebol distrital?”, perguntou o procurador. “Penso que foram 100 mil”, respondeu. “Porque é que não o depositou?”, questionou. “Porque não podia dizer ao banco onde o ganhei. O dinheiro vinha num envelope e nunca assinei nada.”
“Se o arrependimento matasse, neste momento, eu não estaria. Não é que a vontade tenha faltado, mas os meus filhos precisam de mim”, afirmou Isaura Antão. “Estou profundamente arrependida e confesso todos os crimes da Segurança Social e da ADSE”, sublinhou. “Quanto ao resto, desconhecia. Limitava-me a fazer o pagamento, assinado por quem tinha de o fazer.”
Isaura Antão garantiu já ter reposto os cerca de 18 mil euros que desviou dos cofres da autarquia e disse ao procurador que nunca desconfiou dos “valores da conservatória”. “Vinha a ordem de pagamento e pagava. Não me competia a mim questionar”, afirmou.