Maior organização criminosa da América do Sul usa o país para fazer chegar cocaína a toda a Europa.
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O Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior e mais violenta organização criminosa da América do Sul, com sede no Brasil, tem 87 membros instalados em Portugal e 29 deles estão infiltrados nas prisões, local predileto de recrutamento desta autêntica multinacional do crime. Portugal é, aliás, o país da Europa com mais criminosos do PCC e, em termos mundiais, só fica atrás do Paraguai, Venezuela, Bolívia e Uruguai.
Os números foram apurados pelo Ministério Público de São Paulo, no Brasil, através de investigações levadas a cabo pela equipa liderada pelo procurador Lincoln Gakiya. Fontes judiciais brasileiras confirmam, ao JN, que a monitorização permanente de responsáveis pelo departamento “Sintonia Geral dos Países”, que tem a seu cargo a expansão do PCP pelo Mundo, permitiu ter acesso aos números relacionados com a internacionalização desta fação criminosa. E estes mostram que, no final do ano passado, havia 2078 elementos do PCC espalhados por 28 países. As maiores comunidades criminosas estavam no Paraguai e Venezuela, seguindo-se Bolívia e Uruguai.
Já na Europa, o país com mais “batizados” do PCC é, a larga distância dos demais, Portugal. As autoridades brasileiras contaram 87 criminosos infiltrados no país, sendo que 29 deles estão presos.
“O maior perigo do PCC é a sua origem prisional. É nas cadeias que tem poder de organização e de ideologia, uma disciplina muito rígida e que se dissemina muito fácil no sistema prisional. Esse é o maior perigo do PCC para os países europeus”, defendeu, em declarações à Imprensa brasileira, Lincoln Gakiya.
País como plataforma
Para o membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Roberto Uchôa, “existem evidências substanciais que demonstram a expansão e a implementação de atividades criminosas do PCC para além das fronteiras do Brasil”. “Nos últimos anos, a sua atividade expandiu-se para a Europa, com relatórios a indicarem a presença e operações de membros do PCC em países como Portugal, Espanha, França e Países Baixos”, acrescenta.
O também perito em criminalidade organizada explica que a internacionalização do PCC visa “maximizar os lucros” do tráfico de cocaína, o “controlo” das rotas de tráfico, portos e redes de distribuição de droga na Europa, assim como a “lavagem dos lucros ilícitos do tráfico”. O estabelecimento de parcerias, nomeadamente com a máfia ‘Ndrangheta, é outro dos objetivos.
Na concretização deste plano de expansão, frisa Roberto Uchôa, “Portugal assume uma importância estratégica significativa”. “Os portos portugueses, como Sines, Leixões e Lisboa, são rotas logísticas atrativas para o tráfico de cocaína proveniente da América do Sul”, justifica.
Por outro lado, portugueses e brasileiros partilham “a língua e fortes ligações culturais”, o que “facilita a infiltração e a operação de membros do PCC em Portugal, permitindo-lhes passar mais despercebidos do que noutros países europeus”. Por fim, defende Uchôa, “Portugal funciona como uma plataforma giratória de distribuição de droga para o resto da Europa”.
Por esse motivo, a presença do PCC por cá “não se manifesta pela violência ostensiva vista no Brasil, mas sim através de operações discretas de logística, tráfico e lavagem de dinheiro, o que torna a sua deteção mais complexa”.
Espalhados pelo país
Alcochete
Droga em navios
Um membro do PCC instalou-se em Portugal para tratar da logística necessária à retirada de centenas de quilos de cocaína, escondidos nos cascos ou nas caixas de leme de navios, que atracavam nos portos. O traficante foi detido, em março deste ano, em Alcochete, na posse de três armas automáticas, durante uma operação que decorreu, em simultâneo, em Portugal e no Brasil
Lisboa
Condenados
O Tribunal de Lisboa condenou, em abril de 2024, a penas entre os 13 e oito anos de prisão, sete arguidos por associação criminosa e tráfico, num esquema em que cocaína vinda do Brasil chegava a Portugal dissimulada em café, tendo com destino a Europa do Leste. Os condenados eram membros do PCC, responsável pela chegada da droga a Portugal, e de um grupo da máfia sérvia, que a comprava. Do esquema fazia ainda parte um português, cúmplice dos brasileiros.
Leixões
Corrompiam
Entre cinco e 40 mil euros por cabeça. Era esse o valor que uma organização liderada por um traficante ligado ao extinto gangue de Valbom e um membro do PCC pagavam a sete estivadores do Porto de Leixões para descarregarem centenas de quilos de cocaína, escondidos em contentores, vindos da América do Sul. O grupo, de 13 elementos, foi acusado, em março último, de associação criminosa, tráfico, branqueamento e posse de arma.
Lisboa
Líder escondido
André de Oliveira Macedo, um dos líderes do PCC, conhecido como André do Rap, esteve um ano escondido em Portugal. E, dizem as autoridades brasileiras, poderá voltar em qualquer altura. A garantia foi dada, em outubro do ano passado, ao JN, pelo diretor do Centro de Inteligência de São Paulo, Pedro Sousa Lopes.
Porto
Cadastrado
Em agosto, um homem foi condenado, pelo Tribunal do Porto, a dez anos de prisão por dois assaltos violentos a ourivesarias. No Brasil, o assaltante tinha ligações ao PCC e foi condenado a 20 anos de prisão por roubos e tentativa de homicídio. Era “uma séria ameaça”, disse o juiz.
Perigos
Mais crime
Avisa Roberto Ochôa que “a consolidação de uma fação tão poderosa como o PCC pode levar, em Portugal, ao aumento do tráfico de droga, da lavagem de dinheiro e, potencialmente, de crimes violentos associados a ajustes de contas e extorsão”
Maior corrupção
“Organizações com o poder financeiro do PCC procuram corromper funcionários públicos em setores-chave, como autoridades portuárias, forças de segurança e o sistema judicial, para garantir a continuidade das suas operações”, alerta o especialista. No fundo, o PCC é “uma ameaça direta à soberania e à segurança do Estado”.