"Morto à pancada por miúdos e atirado para dentro do fosso". O título cru e seco revelava em primeira mão o assassinato de Gisberta, transexual de 45 anos, às mãos de 14 menores, internos das Oficinas de S. José, no Porto. O crime macabro que fez a manchete do JN de 23 de fevereiro de 2006 chocou a cidade e o país e marcou a atualidade por várias semanas. "Um grupo de adolescentes, com idades entre os 10 e os 16 anos, é suspeito de ter espancado até à morte um homem, aparentando 35 anos, travesti, sem-abrigo e toxicodependente".
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A primeira de muitas notícias sobre Gisberta revelava a pouca familiaridade com temas até então escondidos nas sombras: a transexualidade, a prostituição e a delinquência juvenil.
Na sequência do crime, o JN publicaria uma série de reportagens que permitiram desvendar um pouco destes mundos marginais. Amigas de Gisberta deram-nos a conhecer uma mulher de 45 anos que nascera num corpo de homem e que em 1980 veio do Brasil "à procura da sua felicidade". Kati pedia para não lhe chamarem travesti: "Não fez operação ao sexo porque as varizes não deixaram. Foi como mulher que fez sucesso como figura em espetáculos, na noite onde a discriminação magoa". Gisberta trabalhava e até descontava, mas a morte dos cães precipitou-a para "uma espiral de infortúnios". Transformou-se num "jackpot das exclusões sociais": drogada, prostituta, sem-abrigo, seropositiva e com tuberculose e hepatite. Morreu só, torturada e atirada para um buraco.
O crime colocou a nu as fragilidades de um sistema que, em vez de cuidar de menores em risco, os despejava em instituições, entregues às malvadezas da lei do mais forte. O cadáver só seria descoberto dias depois, após um dos menores confessar tudo a um monitor. A autópsia revelou que, além de dois dias de agressões, Gisberta foi alvo de sevícias e apedrejada; "por divertimento", explicaram os menores. Três dias depois, julgando-a morta, atiraram o corpo para um fosso num parque de estacionamento abandonado. Gisberta ainda respirava. Morreu afogada no fundo do poço.
Os 13 menores de 16 anos foram condenados a internamentos em centros educativos que variaram entre 11 e 13 meses. A 14 de abril de 2008, o único jovem de 16 anos, julgado como adulto, foi condenado a oito meses de prisão domiciliária pelo crime de omissão de auxílio. Graças à solidariedade de amigos, o corpo que Gisberta nunca considerou ser o seu foi trasladado para o Brasil. Um triste fim para quem só queria ser feliz.