Militar disse que conduzia carro destruído em acidente na zona de Leiria para evitar que bombeiro soprasse ao balão. Foi condenado por falsas declarações e burla qualificada.
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Um militar da GNR de 44 anos, da zona de Leiria, foi condenado a um ano de prisão, mas com a pena suspensa, por falsas declarações e burla qualificada. Assumiu-se como condutor de um veículo, destruído num acidente, para o dono poder acionar o seguro. O verdadeiro condutor, um bombeiro voluntário seu amigo, temia que, se fosse sujeito a teste de álcool, não seria compensado pela perda da viatura. Este também foi condenado a uma pena de prisão de um ano, suspensa.
O acidente ocorreu na madrugada de 16 de junho de 2015. Pouco depois das 2 horas, o bombeiro despistou-se numa reta e o carro acabou por cair num aqueduto. O condutor bateu no para-brisas e no volante, fraturando o nariz e o esterno. A viatura ficou destruída. O bombeiro sabia que ia ser submetido a testes de álcool e estupefacientes e, se acusasse, o seguro não pagaria.
Ligou a pedir ajuda a um amigo do Destacamento de Trânsito da GNR. Este foi ao seu encontro e congeminaram um plano. O condutor ligou para o chefe de piquete dos bombeiros a pedir para não acionarem meios. O chefe foi ao local na viatura pessoal, mas, ao ver que o amigo sangrava muito, chamou uma ambulância para o levar ao hospital.
Pediu a GNR e não a PSP
Entretanto, o militar telefonou para Sala de Situação da GNR e pediu uma patrulha. Os guardas viram que era uma zona da PSP e recusaram-se a tomar conta da ocorrência. O GNR ligou novamente, tendo sido enviada uma patrulha da Divisão de Trânsito, e apresentou-se como o condutor do veículo, submetendo-se aos testes de alcoolemia e substâncias psicotrópicas. Ainda no mesmo dia, o militar e o bombeiro preencheram a declaração amigável, afirmando que o ferido era o passageiro e o militar o condutor. Ao mentir, evitaram que o bombeiro fizesse os testes e enganaram a companhia de seguros.
Após investigação, o militar e o bombeiro acabaram por ser acusados, julgados e, a 20 de junho de 2022, condenados. Em primeira instância, o GNR foi sentenciado a 20 meses de pena suspensa por burla qualificada, falsificação de documentos, falsas declarações e abuso de poder; o amigo, a 16 meses de prisão por burla qualificada, falsificação de documentos e abuso de poder. Ainda teriam de pagar, solidariamente, 14 833 euros ao Estado. Os dois recorreram.
A 11 de janeiro, o Tribunal da Relação de Coimbra deu-lhes parcialmente razão. Os juízes não viram nenhum abuso de poder no facto de o militar ligar diretamente para a Sala de Situação, porque este não estava em serviço e, por isso, não tinha poderes para abusar. E mesmo que os tivesse, nada logrou com a chamada da GNR. O amigo esquivou-se aos testes, não por não ter sido chamada a PSP, mas por o militar ter dito que era o condutor. A conduta criminosa foi a declaração falsa, não a chamada da GNR.
A Relação também anulou a condenação por falsificação de documentos. O Tribunal considerou que a declaração amigável é só dirigida à seguradora e não corresponde ao conceito legal de documento. A Relação de Coimbra decidiu assim reduzir as penas do militar e do bombeiro para 12 meses de prisão, suspendendo-as por igual período, e absolveu-os da indemnização ao Estado de 14 833 euros, sem prejuízo de a seguradora poder intentar uma ação de regresso contra ambos.
Património
Não se aplica perda de vantagem
Quanto à perda de vantagem decretada pela primeira instância, os juízes da Relação consideraram que esta medida sancionatória não era aplicável neste caso. É verdade que os arguidos viram o seu património aumentar, mas fizeram-no com o valor subtraído à vítima. Portanto, só poderiam ser condenados, a título de indemnização civil, a restituir o valor à seguradora. Caso contrário, poderiam acabar por pagar duas vezes o mesmo valor, concluiu o tribunal.
Pormenores
Recebeu 15 mil
Os danos no carro acidentado foram avaliados em 24 mil euros. A seguradora entregou quase 15 mil euros ao dono do veículo, que ainda ficou com a posse do salvado, avaliado em nove mil euros.
Declaração amigável
Para o Tribunal da Relação de Coimbra, a declaração amigável é uma mera descrição indicativa do acidente que a seguradora pode ou não dar como boa. Não corresponde ao conceito legal de documento: "ser idóneo para provar" facto juridicamente relevante.