Mesmo que quisesse, o Ministério Público apenas poderia deter João Galamba ou qualquer outro membro do Governo após autorização da Assembleia da República. A lei dos Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos também diz que só o Parlamento pode suspender um membro do Governo para procedimento criminal.
Corpo do artigo
“Os membros do Governo apenas podem ser constituídos arguidos, não podem ser detidos sem autorização da Assembleia da República”, esclarece Eduardo Castro Marques. Há uma excecão: teriam de ser apanhados em flagrante delito a cometer um crime doloso com pena máxima superior a três anos.
Ora, acrescenta o sócio fundador da Dower Law Firm, dificilmente se verificaria flagrante delito nos crimes em causa neste processo, pelo que a detenção do ministro Galamba ou de outro governante teria de ser autorizada previamente pelo Parlamento.
MP ainda pode pedir autorização para detenção
Na prática, um pedido prévio à Assembleia da República para a detenção de um governante poderia revelar não só a investigação em curso como também as diligências previstas. Isto possibilitaria a destruição de provas. Todavia, “havendo indícios suficientes, não se exclui a possibilidade de ser agora efetuado esse pedido de detenção, salvaguardada que está a preservação de provas”, avança o penalista Nuno Sá Costa.
Decisão articulada com Procuradora-Geral
“Não me passa pela cabeça que uma decisão destas não tenha sido articulada com a mais alta figura do Ministério Público. Obviamente que a Procuradora-Geral foi envolvida”, avança Eduardo Castro Marques.
Também a suspensão de funções de um governante depende do Parlamento. Ao contrário do que sucede com um arguido normal, o juiz de instrução Criminal não pode decretar a suspensão de funções de um governante.
Segundo o regime de efetivação da responsabilidade criminal dos membros do Governo, também previsto na Constituição da República Portuguesa, a decisão de suspensão para efeitos de seguimento criminal cabe à Assembleia da República, mas só depois do governante ter sido acusado definitivamente. Também aqui há uma exceção. Se se tratar de um crime do tipo anteriormente referido, a decisão de suspensão é obrigatória, bastando haver acusação definitiva.
“O regime está pensado para um sistema judicial que age dentro do prazo expectável. Na prática, significaria que poderíamos ter um membro do Governo a terminar o mandado antes de ser suspenso, pois até haver uma acusação validada por instrução podem passar mais de quatro anos”, refere Castro Marques.
São Bento é um gabinete de trabalho como qualquer outro
O Palácio de São Bento foi um dos locais alvos de buscas esta manhã de terça-feira. Apesar do simbolismo, a verdade é que não há qualquer procedimento especial para a ocorrência de diligências judiciais naquele local. “Para a lei não é diferente de um normal gabinete de trabalho. O que o torna especial é a pessoa que lá trabalha. Há que ter um especial cuidado”, refere Nuno Sá Costa. Eduardo Castro Marques considera que ordenar uma busca ao Palácio de São Bento “é uma decisão que não se toma de ânimo leve. Dá a entender que os indícios são fortes o suficientes para avançar para esta diligência”.
Nuno Sá Costa refere que este é um caso que, dada a sua dimensão, “pode abalar o edifício jurídico e provocar mudanças. Até que ponto se justifica que a imunidade de alguém que está em funções governativas possa travar uma investigação a essa pessoa”, questiona.
Para Castro Marques, o facto de o Ministério Público poder iniciar investigações a titulares de cargos políticos confere-lhe uma áurea de isenção de independência; não está condicionado a nenhum poder e atua em total liberdade. “Por outro lado, espero que resulte nalguma coisa. O pior que poderia acontecer era que neste e noutros casos com similar alarido no final do dia não termos nada de concreto em termos de sentença, sob pena de se começar a cair em descrédito”, termina o jurista.