Protesto dos guardas da cadeia de Monsanto, a única de alta segurança do país, também reduziu número de visitas e telefonemas dos reclusos.
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Há uma guerra de números na única cadeia portuguesa de alta segurança. Na página oficial do Ministério da Justiça lê-se que a prisão de Monsanto, em Lisboa, tem capacidade para acolher 202 reclusos, mas, ao JN, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) refere que o limite é de 142 presos e que, atualmente, a taxa de lotação é de 54,2%.
O Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP) não contesta a presença em Monsanto de 78 dos mais perigosos criminosos do país, mas alega que esta soma é excessiva e coloca em causa a segurança do estabelecimento prisional.
Por este motivo, os guardas prisionais iniciaram uma greve no início do ano, que deverá durar até final do mês e que diminuiu o número de visitas e telefonemas autorizados aos presidiários. Muitos dos reclusos também voltaram a passar 22 horas por dia fechados numa cela individual, um regime duramente criticado, em 2018, pelo Comité para a Prevenção de Tortura e Maus Tratos, do Conselho da Europa.
"Para que a segurança não seja posta em causa, a cadeia de Monsanto deveria ter menos presos", defende o vice-presidente do SNCGP. Frederico Morais acrescenta que a cadeia de alta segurança "nunca teve tanta gente" e lembra que ali estão "os presos mais perigosos do país".
"O estabelecimento prisional encontra-se a pouco mais de metade da sua capacidade. O efetivo do corpo da Guarda Prisional adstrito a Monsanto é de 72 efetivos, o que dá um rácio de 1,08 reclusos para um guarda prisional", contrapõe a DGRSP. "Não cabe mais ninguém e recentemente foi recusada a entrada de mais reclusos por a prisão estar no limite da sua capacidade", insiste o dirigente sindical para justificar a greve em vigor e à qual aderiram "100% dos guardas".
A ação de protesto, admite a DGRSP, "como todas as greves, perturba o normal funcionamento dos serviços". No entanto, fonte oficial salienta que "os serviços mínimos que têm vindo a ser negociados, estabelecidos e cumpridos, contemplam tarefas respeitadoras de direitos essenciais dos reclusos, relevando-se que a segurança do Estabelecimento Prisional de Monsanto, assim como dos demais estabelecimentos prisionais, constitui matéria que não está, nem nunca esteve, em causa".
Críticas da Europa
Certo é que, devido à greve, muitos dos reclusos da cadeia classificada com um nível de segurança especial e com um grau de complexidade de gestão elevado, ficaram sem poder frequentar o ginásio ou a biblioteca. Estão, assim, obrigados a passar 22 horas por dia encarcerados numa cela individual.
Esta medida foi criticada, em 2018, pelo Comité para a Prevenção de Tortura e Maus Tratos. Após uma visita à cadeia, este organismo do Conselho da Europa defendeu a implementação de "medidas urgentes" para permitir aos reclusos mais contacto humano e, nos anos seguintes, os presos começaram a realizar curtas atividades lúdicas e físicas, nalguns dias da semana. Passaram ainda a trabalhar na limpeza da cadeia ou nas oficinas criadas no estabelecimento prisional.
Mas, desde 1 de janeiro, quase tudo isso foi suspenso porque os guardas recusam-se, tal como impõe a lei, a acompanhar os cadastrados naquelas atividades.
Regras rígidas
O Decreto - Lei nº 51/2011 define o Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais e é claro no que toca ao Regime de Segurança. Quem decide a colocação de um preso em Monsanto é, mediante proposta dos serviços centrais ou do diretor de uma prisão, o diretor-geral da DGRSP e, à chegada à cadeia, o recluso tem de entregar todo o seu vestuário e objetos pessoais. Pode manter apenas a aliança, se for casado, e um relógio de pulso, antes de ser alojado numa cela individual que, ele próprio, tem de limpar.
Com vestuário e calçado para três mudas semanais, fornecido pela cadeia (só a roupa interior pode ser adquirida no exterior), os presos de Monsanto estão enclausurados a maior parte do dia. "Ao recluso são concedidas duas horas diárias de permanência a céu aberto", estipula a lei que, no entanto, frisa que "não é permitida a permanência de mais de três reclusos em simultâneo no mesmo local".
Até as refeições são efetuadas no interior da cela, sem direito a bebidas alcoólicas e apenas na companhia de algumas fotografias coladas num placard, de uma televisão e um rádio, que os reclusos têm de comprar e que são "verificados e selados" antes de serem ligados.
A roupa de cama e de banho também são disponibilizados pelos serviços prisionais, que asseguram ainda um corte de cabelo mensal, mas sempre "na presença de elemento do pessoal de vigilância".
Menos visitas e telefonemas
Os mais perigosos presos do país têm direito a um banho de água quente por dia e a duas visitas semanais, com a duração de uma hora, num "parlatório, com vidro inquebrável de separação, sem contacto direto entre visitantes e visitado". A greve, contudo, reduziu as visitas a uma por semana e os telefonemas, "com duração não superior a 10 minutos cada", de três semanais a três por mês.
Mas mesmo estes contactos podem, se o diretor assim entender, ser acompanhados por um guarda prisional. Aliás, só recolhidos na cela e nas reuniões com o advogado é que os reclusos não estão escoltados por um elemento da Guarda Prisional.
Ao JN, o secretário-geral da Associação de Apoio ao Recluso (APAR), Vítor Ilharco, alerta que a greve em curso impede os reclusos de receber correspondência e, em caso de morte de um familiar, de assistir ao seu funeral. "As idas ao hospital só acontecem se o caso for considerado urgente. Mas quem é que decide se a situação é ou não urgente", pergunta.
O dirigente da APAR defende que "os guardas prisionais têm todo o direito à greve", mas sustenta que estes "têm de cumprir a lei". "Neste momento, isso não acontece. Os reclusos e as suas famílias são sempre os mais prejudicados com as greves dos guardas prisionais", afirma.