Com "maus salários" e carreiras congeladas, os técnicos da reinserção e serviços prisionais de três cadeias do Porto e Matosinhos deixaram de elaborar relatórios para os tribunais, nomeadamente o de Execução de Penas, inviabilizando saídas precárias de presos. Esta segunda feira manifestaram-se na cadeia de Custóias.
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A greve convocada pelo Sindicato dos Técnicos da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (SinDGRSP) teve início à meia noite deste domingo e prolonga-se até 12 de junho. Só afeta, por agora, os presos nas cadeias de Custóias, da Polícia Judiciária (PJ) e de Santa Cruz do Bispo. Mas poderá alastrar ao resto do país e também provocar o adiamento de processos com presos.
À frente da manifestação junto à cadeia de Custóias, Miguel Gonçalves, presidente do SinDGRSP, falou da "angustiante carreira morta" dos técnicos de reinserção social e de reeducação dos serviços prisionais. "estes profissionais, muitos deles com cursos superiores, entram na carreira a ganhar mais um euro que o salário mínimo (820 euros) e quando chegam ao fim da vida de trabalho não ultrapassam os 1600 euros". E acrescenta: "não sabemos o que é um aumento há, década e meia", garantindo poder afirmar que tanto ele como os restantes colegas integram "uma carreira morta desde 2009".
Além dos salários, o sector debate-se com a "gravíssima falta de recursos humanos", facto explicado pela "miserável remuneração e falta de futuro". "Com a lei da mobilidade da função pública, alguém pensou que resolveria o problema da falta de recursos humanos em alguns sectores do estado. Mas para esta carreira morta ninguém quer vir", enfatiza o sindicalista.
Atualmente o número total de técnicos não chega aos 800, em todo o território nacional. E é este escasso número de técnicos que assegura um papel fundamental na administração da justiça, na assessoria aos tribunais e no ambiente das cadeias. São eles, e em exclusivo, quem elabora os relatórios e perfis sobre presos, documento essencial quer para os tribunais de julgamento, para o tribunal de execução de penas (saídas em liberdade condicional) quer para as saídas precárias, ou para substituição da cadeia por prisão domiciliária.
A greve, por ora limitada aos técnicos do Porto (cobrindo as cadeias de Custóias, PJ e Santa Cruz do Bispo), corre o risco de inflamar o ambiente nestas prisões, onde, nesta altura de S. João, são muitos os reclusos à espera de saídas "precárias". Segundo Miguel Gonçalves, "o mais provável é que nenhum vá passar o S. João a casa".
Vigilância eletrónica "a fingir"
Também os reclusos, a cumprir pena, ou a aguardar julgamento, passíveis de passar para o regime de "domiciliária", poderão ver goradas as expectativas já que, também para eles, serão essenciais relatórios dos técnicos de reinserção e reeducação.
Para o presidente do SinDGRSP, até pela falta de meios humanos, "para os que já estão em domiciliária, o que teremos é uma vigilância a fingir".
Sem competências
Houve funcionários públicos que, ao abrigo da Lei da Mobilidade da Função Pública, integraram a Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. Mas a falta de competências técnico/científicas, ou de formação de alguns dos recém-chegados não atenuou o problema do sector.
O exemplo foi dado ontem por um dos funcionários em greve: "veja dois casos: um era enfermeiro veterinário, outro era professor de música. Por muita boa vontade que tenham, que relatórios podem eles elaborar sobre um qualquer recluso?".