Câmaras filmaram guarda a facilitar encontro na cadeia anexa à sede da PJ do Porto. Investigadas ameaças a arguidos e advogado de julgamento de tráfico na cadeia.
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Um guarda prisional é suspeito de permitir que o líder de um grupo criminoso saísse da cela para comprar o silêncio de um outro preso, nos julgamentos de tráfico de droga no interior da cadeia de Paços de Ferreira, nos quais outros cinco elementos da Guarda Prisional estão acusados de corrupção. O caso, que ocorreu em março deste ano, na prisão anexa à sede da Polícia Judiciária (PJ) do Porto, foi denunciado por um terceiro recluso e captado pelas câmaras de vigilância daquele estabelecimento prisional. E é apenas um dos muitos episódios de ameaças e tentativas de condicionamento a arguidos, testemunhas e até advogados envolvidos nos processos.
No dia 10 de março, Joel Rodrigues, conhecido por Joel da Afurada, estava encarcerado numa das celas da prisão anexa à PJ do Porto para ser transportado, no dia seguinte, a Paços de Ferreira, onde está a ser julgado num processo relacionado com a introdução e tráfico de droga numa das duas cadeias existentes naquele concelho (ler caixa ao lado). Contudo, entre as 18 e as 19 horas, quando todos os reclusos já estavam recolhidos, um guarda abriu-lhe a porta, permitiu que saísse do isolamento e acompanhou-o pelo corredor da ala este até à entrada de uma outra cela.
Ali, Joel manteve-se a conversar entre "cinco e dez minutos" com o mesmo guarda que, logo depois, abriu a cela de Álvaro Carvalho, testemunha no julgamento em que Joel está acusado de liderar um dos grupos que recebia a droga dos guardas prisionais para a vender no interior do estabelecimento prisional. Depois, e sempre na presença do guarda, Joel terá pedido a Álvaro para não falar perante os juízes. Em troca desse silêncio, Álvaro seria recompensado com maços de tabaco e "tudo o que mais precisasse".
Recluso denuncia
A pressão exercida por Joel da Afurada terá surtido efeito, porque, nos dias posteriores, Álvaro confidenciou a outro recluso que tencionava negar em julgamento tudo o que confessara na fase de investigação. Foi o próprio confidente, que pernoitava na cela anexa à de Álvaro Carvalho, quem denunciou a tentativa de condicionamento à PJ e levou a que fossem recolhidas as imagens das quatro câmaras que vigiam a ala este daquela cadeia.
Estas imagens, que foram juntas ao processo em julgamento, o qual o JN consultou, deram origem a um inquérito do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto e mostram Joel a conversar com um dos guardas e, depois, com Álvaro. Mostram ainda que Diamantino Oliveira, braço-direito de Joel e igualmente arguido nos mesmos casos, também estava no corredor da ala este e que se manteve quase 30 minutos junto à cabina telefónica ali existente. E revelam, ainda, a presença de um segundo guarda prisional, que não foi possível identificar.
Presos silenciados
Para a PJ, o guarda que abriu as celas "contribuiu para dar ao recluso Álvaro Carvalho um forte sinal da sua enorme vulnerabilidade perante o poder de Joel".
"Foi com procedimentos semelhantes que, no passado recente, alguns dos chefes e guardas prisionais, que hoje são arguidos, conseguiram vulnerabilizar e silenciar outros reclusos, que pretendiam denunciar situações criminais, que estavam em curso no interior do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira", defende a PJ.
Corrupção
5000 euros foi a quantia paga por Joel da Afurada ao chefe da Guarda Prisional José Coelho por cada pacote com um quilo de heroína
Corrupção e tráfico de droga na cadeia em julgamento
A detenção de cinco guardas prisionais, dois dos quais com a categoria de chefe, ocorreu em novembro de 2019. O processo Entre Grades, levado a cabo pela PJ, revelou que estes recebiam elevadas quantias de dinheiro para fazer passar droga e telemóveis pela segurança da cadeia de Paços de Ferreira e entregá-los aos reclusos. O tráfico de cocaína, haxixe e heroína atrás das grades era, depois, da responsabilidade de dois grupos principais. Um deles liderado por Joel da Afurada. O Ministério Público acusou os guardas e cerca de 40 presos dos crimes de tráfico de droga e de corrupção, mas dividiu a investigação em dois processos. Um, o que envolve Joel, já está a ser julgado e o outro deverá começar em breve.