MP recorreu de sentença “branda” do Tribunal de Viseu, por crimes cometidos contra criança, primeiro em França e depois em Portugal.
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Fotografou-se e filmou-se, reiteradamente, a abusar da filha do primo, quando ela tinha dois e seis anos. No Tribunal de Viseu, foi condenado a 12 anos de prisão. Mas o Ministério Público (MP), inconformado com a “brandura” da pena aplicada, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, no mês passado, agravou a pena para 15 anos de prisão. Quatro crimes de oito crimes de abuso sexual de menor agravados, outros quatro de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência agravados, e 19 de pornografia de menores, 15 deles agravados.
Os primeiros abusos ocorreram em 2019, em França. O arguido, hoje com 42 anos, morava na mesma casa que vítima e aproveitou momentos em que não estava mais ninguém presente, para praticar atos sexuais sobre a menor, então com dois anos. Numa ocasião, em que a menor estava no berço, pôs uma mão dela no seu pénis ereto e fotografou o ato com um telemóvel. Noutras ocasiões, fotografou a vagina e as nádegas da criança, despida.
Em 2021, o arguido, a vítima e os pais desta regressaram a Portugal e continuaram a viver juntos. E, já em 2022 e 2023, quando a menor tinha seis anos, por inúmeras ocasiões, o arguido, além de se masturbar junto dela, fotografou-se e filmou-se a introduzir o seu pénis ereto no ânus, na vagina e na boca da vítima.
“Excessiva brandura”, disse MP
Por aqueles e outros factos, um coletivo de juízes de Viseu decidiu punir os referidos 27 crimes com 12 anos de prisão. Uma pena única que revelava “excessiva brandura”, protestou o MP no recurso, em matéria de direito, que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça e em que pediu 17 a 18 anos de cadeia para o arguido. Invocou, além do mais, “conclusões da perícia sobre a personalidade que dão conta de que o arguido se revela[va] acomodado, pouco sensível e desorganizado”.
Em resposta ao recurso, a defesa do arguido afirmou que o acórdão de primeira instância estava “perfeitamente balizado em termos de proporcionalidade e equidade.”
O Supremo Tribunal de Justiça respondeu por acórdão de 25 de junho, subscrito pelos juízes conselheiros Jorge Raposo, António Manso e Maria Almeida. Estes vincaram “a tendência criminosa que radica na personalidade” do arguido, tendo em conta a “muito significativa dispersão temporal dos factos, a sua diversidade e a sua perpetuação através de imagens conservadas e partilhadas e com aproveitamento de uma relação de familiaridade e confiança”.
“Sopesando devidamente a imagem global dos factos (...) e atendendo à jurisprudência deste Tribunal para casos semelhantes, considera-se proporcional, adequada e, essencialmente, necessária, uma pena única de 15 anos de prisão”, concluíram os três juízes conselheiros.
Infância difícil e quadro depressivo
O arguido teve uma infância marcada pela separação dos pais e posterior emigração de ambos, ficando à guarda dos avós, em Portugal. Aos 16 anos, foi viver com o pai, em França, com quem tinha fraco vínculo afetivo. Trabalhou ali, na área dos isolamentos industriais, mas desenvolveu um quadro depressivo, agravado pelo isolamento e desvalorizado pela família. Tentou obter apoio junto da mãe e depois foi acolhido pelo primo, convivendo com a vítima, com quem criou forte proximidade. Teve novo agravamento da saúde mental. É descrito como introvertido, com dificuldades sociais, traços depressivos e fatores de risco sexual. Não tem antecedentes criminais e tem, segundo o processo, uma capacidade intelectual superior à média. Tem manifestado bom comportamento na cadeia onde está em prisão preventiva.