Homicida do ator Bruno Candé condenado a 22 anos e nove meses de prisão: "Foi feita justiça, é uma decisão histórica"
O homem acusado de ter baleado mortalmente o ator Bruno Candé, em julho do ano passado numa rua de Moscavide, foi condenado, esta segunda-feira, a 22 anos e nove meses de prisão, pelo tribunal de Loures, que deu como provado que o homicídio teve motivação fútil e foi movido por ódio racial.
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Evaristo Marinho, de 76 anos, foi condenado por homicídio qualificado de Bruno Candé e por posse ilegal de arma. Candé foi baleado em Moscavide, no concelho de Loures, em 25 de julho de 2020, com seis tiros em plena via pública à luz do dia. O tribunal decidiu ainda que os dois filhos de Bruno Candé serão indemnizados em 120 mil euros. O terceiro filho, representado por outro advogado, não fez pedido de indemnização. "Ficarem sem pai é um dano que vão sofrer o resto da vida", afirmou a presidente do coletivo de juízes.
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Davisno Batista, cunhado de Bruno Candé, à saída do tribunal disse ao JN que considera a decisão "justa", "mas (o arguido) merecia mais". A sobrinha de Candé, Andreia Araújo, disse também ao JN que espera que a decisão "sirva de exemplo para o mundo inteiro".
"O advogado da família de Bruno Candé, José Semedo Fernandes, considerou que "foi feita justiça" e que esta "é uma sentença histórica", uma vez que se provou que o homicídio foi motivado por ódio racial.
"É uma agravante que em regra tem tendência a cair em julgamento. Foi feita justiça, é uma decisão histórica. Os Estados têm alguma dificuldade em aceitar que dentro do seu próprio país esse mesmo Estado produz indivíduos racistas e que matam outras pessoas em razão da cor. Esperamos que (a decisão do tribunal) abra portas a novas medidas para que não volte a acontecer uma decisão similar".
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Dentro do tribunal, na leitura da sentença, que durou pouco mais de 10 minutos, a presidente do coletivo de juízes, Sara Pina Cabral, disse não existir "qualquer dúvida" da motivação racial e "fútil" do crime, porque, embora tenha sido alegado que a discussão foi originada por causa de um cão, "não mais se falou do cão". "Aquilo que se falou", recordou a presidente do coletivo dos juízes, foi "preto de merda, vai para a tua terra" e "a tua mãe devia estar numa sanzala", lembrando as expressões utilizadas pelo arguido quando se dirigiu a Bruno Candé.
"Como se isso (ir para uma sanzala) pudesse ser motivo de vergonha para qualquer pessoa que tivesse estado numa sanzala. Parece absolutamente linear que há uma manifestação exteriorizada de sentimentos completamente contrários aos princípios básicos da nossa comunidade e que ferem o sentimento comum", afirmou. "A discussão a respeito de um cão é uma não razão para tão grave consequência, o comportamento tem motivação fútil, trata-se de um comportamento movido por ódio racial", frisou ainda.
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A "postura de frieza de ânimo" e a "persistência na decisão de matar" também pesaram na decisão do tribunal, que reforçou que o homicídio "não se tratou de um descontrolo momentâneo". Segundo a juíza, esse descontrolo "não se demonstrou", pois Evaristo Marinho disse, depois de uma discussão dias antes do homicídio, "que ia tirar a vida a Bruno Candé e fez exatamente o que tinha dito". "Não me parece de todo que foi nesse momento que tomou a decisão. Fez o que anunciou, foi buscar a arma que tinha em casa para o efeito e só não o fez antes porque não o encontrou. Quando o encontrou, aquilo que fez foi desferir seis tiros como tinha anunciado".
Para Sara Pina Cabral, "não há qualquer dúvida" que o comportamento revela "frieza de ânimo" e "insistência na decisão de matar" e que a "postura era toda menos de descontrolo". "O arguido verbalizou arrependimento, mas apenas o verbalizou. Tudo o mais, logo a seguir aos factos, na sua linguagem corporal, ao longo de todo o julgamento, foi de total ausência de remorsos".
O tribunal disse ainda que foi pedido um exame pericial para se perceber se o arguido tinha algum problema do foro psiquiátrico, mas confirmou-se que "não tinha qualquer problema que afetasse a sua capacidade de entendimento do que estava a acontecer". A juíza disse que "quem na sequência de uma discussão a propósito de um cão se mune de uma arma desfere um tiro a cerca de um metro e meio de distância do ofendido, fazendo com que caia do chão e depois descarrega o resto da arma para o corpo que jaz aos seus pés provavelmente tem algum problema psiquiátrico" e, por isso, o exame pericial foi pedido.
