Ihor foi barrado no aeroporto após ser questionado com recurso ao tradutor do Google
O cidadão ucraniano que, em março de 2020, morreu no aeroporto de Lisboa depois de ter sido, alegadamente, espancado por três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) foi barrado à entrada de Portugal após ter sido questionado com recurso ao tradutor do Google. Ihor Homeniuk, de 40 anos, falaria somente ucraniano e russo - idiomas que o seu interlocutor desconhecia.
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"A única palavra que ele disse foi 'traktor'", adiantou esta terça-feira, na quarta sessão do julgamento, Augusto Costa, o inspetor do SEF que conduziu, pelas 11 horas de 10 de março de 2020, a diligência e que não está acusado de qualquer crime. Costa interpretou que, com o recurso àquela palavra, Homeniuk terá querido dizer que aterrara em Portugal para trabalhar. Não teria, contudo, os documentos necessários para tal.
Oito horas depois, o cidadão foi novamente entrevistado por outros dois inspetores, Rui Tártaro e Irina Fonseca, esta última fluente em russo e que, por isso, atuou como intérprete. "Explicou que vinha trabalhar na empresa de um amigo", testemunhou Tártaro, precisando que se trataria de uma entidade com "várias valências", nomeadamente trabalhos agrícolas e construção civil.
Questionado pelo tribunal sobre a demora entre as duas abordagens, Tártaro reconheceu que é "normal" os passageiros retidos esperarem várias horas pela segunda entrevista. "O volume de trabalho é avassalador", garantiu. Nesse dia, teve quatro entrevistas "que deram quatro recusas de entrada". "É possível que tenha tido mais uma ou duas medidas cautelares", acrescentou.
A expulsão foi confirmada já depois das 19 horas por Paulo Reis, inspetor coordenador. "Não tive qualquer contacto com o passageiro", afirmou.
Pelas 21.30 horas, Homeniuk foi transportado, na sequência de uma convulsão, ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Na manhã seguinte, foi conduzido, após ter alta hospitalar, ao Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária do aeroporto de Lisboa. Ter-se-á recusado, na tarde de 11 de março, a embarcar para Istambul, na Turquia, onde fizera escala após sair da Ucrânia, com destino a Portugal. Segundo Costa, os voos provenientes daquela cidade "são considerados de risco", por ser uma rota usada, entre outros ilícitos, para tráfico de seres humanos.
O cidadão ucraniano morreu pelas 18.40 horas de 12 de março, dez horas depois de, segundo o Ministério Público, ter sido espancado com socos, pontapés e bastonadas por Luís Silva, de 44 anos, Bruno Sousa, de 42, e Duarte Laja, de 48. Terá asfixiado lentamente até à morte, após ter sido deixado manietado de barriga para baixo. Os três inspetores do SEF, únicos arguidos no processo negam todas as acusações.
O julgamento continua na quarta-feira, no Tribunal Central Criminal de Lisboa. Os suspeitos estão acusados, em coautoria, de um crime de homicídio qualificado, cuja pena pode ir até 25 anos de prisão. Silva e Laja respondem ainda por detenção de arma proibida.