Os donos da Herdade de Gâmbia, inserida na Reserva Natural do Estuário do Sado, em Setúbal, foram ilibados de um crime de ofensas à GNR, no final de março, pelo Tribunal da Relação de Évora.
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Em causa estava um comunicado, publicado pelos arguidos em agosto de 2021, na rede social Facebook, no qual denunciavam o "clima de medo e terror" mantido por uma "associação criminosa" que se dedicava ao descortiçamento de sobreiros e roubo da cortiça, de animais e de equipamentos agrícolas. Esse clima, alegavam, "era ainda mais vincado" devido a uma alegada cumplicidade das autoridades: "É do conhecimento geral de que há militares da Guarda Nacional Republicana que protegem e dão cobertura a esta atividade ilícita", escreveram.
Segundo o acórdão, datado de 28 de março e consultado pelo JN, não ficou demonstrado que os quatro arguidos estivessem a imputar factos à Guarda. "O que se pretende não é pôr em causa a atuação da GNR em si, enquanto corporação, mas sim a atuação de alguns dos seus elementos, independentemente do seu número", argumentaram os desembargadores.
Apesar de admitirem que, "sempre que se imputa a prática de factos a elementos de uma entidade, esta pode ficar afetada no seu bom nome", os juízes entenderam que não se pode concluir que o objetivo tivesse sido atingir a GNR no seu todo.
"A confiança da comunidade na entidade não fica diretamente afetada por aí. Até porque, se se diz que há elementos da GNR que protegem e dão cobertura a atividades ilícitas, é porque se está a transmitir também que haverá outros que não o fazem", afirmaram.
Da queixa ao arquivamento
O processo começou com uma queixa da GNR ao Ministério Público (MP), que concluiu que os donos da propriedade ofenderam a força de segurança. Por isso, imputou-lhes a prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva.
No entanto, os arguidos requereram a abertura de instrução criminal. E, nesta fase processual, um juiz de instrução rejeitou a acusação pública e não pronunciou os arguidos para julgamento. "Afigura-se-me que o comunicado não é dirigido à instituição GNR como um todo, mas a um universo não concretamente identificado", justificou.
Inconformado, o MP recorreu para a Relação. "Ao não se identificar os militares, não sendo sequer os mesmos identificáveis, e não tendo sido apresentada qualquer queixa formal contra os eventuais militares, é demonstrativo que se quis dizer que é a GNR que adotou tal conduta censurável aos olhos dos arguidos", argumentou o MP.
No entanto, os desembargadores da Relação de Évora julgaram improcedente o recurso, corroborando as conclusões do despacho instrutório.
Furtos, vandalismo e tiros
Na origem do processo está um comunicado em que os proprietários se queixaram de que a sua herdade e a região onde esta se insere vinham sendo alvo, "nos últimos 12 anos", de atos de vandalismo, "consubstanciados em numerosos furtos de animais, de infraestruturas destinadas a maneio do gado, utensílios de uso agrícola, corte e destruição de vedações e respetivos portões de acesso, e descortiçamento selvagem de árvores sem a idade legal para o efeito". Além disso, afirmaram que já tinham sido "alvejadas por várias vezes as viaturas" dos guardas da herdade, tendo um deles "sido ferido num desses atos".
"Os furtos foram presenciados por várias pessoas da população, tendo estas identificado claramente os criminosos, mas compreende-se a dificuldade de as testemunhas oficializarem as ocorrências, tendo em conta o clima de medo e de terror", prosseguiram os autores do comunicado, acusando: "Este clima torna-se mais vincado quando é do conhecimento geral de que há militares da Guarda Nacional Republicana que protegem e dão cobertura a esta atividade ilícita".