André Ventura e outros dois candidatos do partido recém-eleitos são acusados de desobediência por causa de jantar-comício no estado de emergência.
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A imunidade parlamentar de que Filipe Melo e Rui Paulo Sousa vão beneficiar assim que tomarem posse dos lugares de deputados à Assembleia da República, em nome do Chega, vai atrasar a instrução do processo em que ambos estão acusados, a par do também deputado e líder do partido, André Ventura, de um crime de desobediência.
A acusação responsabiliza os arguidos pela promoção e realização de um jantar-comício da campanha de André Ventura à Presidência da República, que reuniu 170 pessoas, em 17 de janeiro de 2021. Nessa altura, o país estava em estado de emergência, a restauração só funcionavam em "takeaway" e mesmo os eventos políticos só eram possíveis ao ar livre ou em em espaços amplos.
A imunidade do presidente do Chega já tinha sido levantada pelo Parlamento, em junho do ano passado, e o mesmo terá de ser feito agora em relação a Filipe Melo, líder da distrital de Braga, e Rui Paulo Sousa, à data dos factos diretor da campanha de Ventura às presidenciais.
A tomada de posse dos 230 deputados eleitos no passado domingo está apontada para 22 deste mês, a mesma para a qual foi agendado o debate instrutório do seu processo por desobediência.
"Vamos, no início da próxima semana, dar entrada de um requerimento, informando o magistrado do processo de que dois dos arguidos foram eleitos [deputados]", adianta ao JN a advogada daqueles dois novos parlamentares, Marta Cerqueira Gonçalves. A decisão de adiar desde já a diligência caberá ao juiz de instrução.
No caso de André Ventura, o levantamento de imunidade também produzirá efeitos na próxima legislatura. Quanto a Filipe Melo e Rui Paulo Sousa, não é possível prever quanto tempo demorará a ser apreciado o pedido de suspensão da proteção parlamentar.
Arguidos negam crime
Além dos três deputados, foram ainda acusados pelo Ministério Público os gerentes do restaurante Solar do Paço, onde se realizou o jantar-comício: Secundino Azevedo e Teresa Ferreira.
O casal tem alegado, em sua defesa, que os comensais foram 120 e não 170 e que, na altura, Filipe Melo e Rui Paulo Sousa garantiram que o jantar era legal, à luz das exceções ao confinamento.
Secundino Azevedo e Teresa Teixeira terão, depois, telefonado para a Associação Comercial de Braga, que terá confirmado que o evento poderia ocorrer. O jantar tinha, contudo, recebido parecer desfavorável por parte das autoridades locais de saúde e da Autoridade Municipal de Proteção Civil.
André Ventura e Rui Paulo Sousa têm defendido que não tinham consciência da ilicitude do seu comportamento, por julgarem que o regime de exceção para atividade política abrangia jantares em restaurantes, desde que salvaguardado o distanciamento físico. Já Filipe Melo não prestou, até ao momento, quaisquer declarações.
Na noite do jantar, a GNR fotografou todas as mesas, concluindo pela presença de 170 pessoas, número incompatível com o distanciamento obrigatório.
Estatuto
Crime da acusação não suspende mandatos
O Estatuto dos Deputados, que define as imunidades de que beneficiam todos os atuais eleitos para Assembleia da República, estabelece que, quando a acusação é definitiva, o visado pode ser suspenso de funções. Mas isso só é obrigatório se o deputado for apanhado a cometer, em flagrante, um crime punível com pena superior a três anos de cadeia, o que não é o caso do jantar-comício do Chega em Braga. André Ventura, Filipe Melo e Rui Sousa respondem por desobediência simples, um ilícito punível com uma pena de prisão inferior ou multa. A acusação contra o líder e dois outros dirigentes do partido pode, de resto, nem chegar a ser confirmada, se, no fim da fase de instrução, o juiz titular não vir probabilidade de condenação dos arguidos e decidir não pronunciá-los. A lei diz ainda que o pedido de levantamento de imunidade suspende o prazo para o crime prescrever.
Outro caso
Proteção teve de ser levantada só para sentença
Em 2018, José Magalhães (PS) tomou posse como deputado, 18 dias antes da data agendada para a leitura do acórdão de um processo em que respondia por peculato, por atos praticados entre 2009 e 2011. O Parlamento duvidou que fosse necessário levantar a imunidade só para que a sentença fosse lida, mas o tribunal entendeu que sim e adiou a diligência. Em maio de 2019, foi absolvido.