Agência que gere fogos alerta para necessidade de se combater alcoolismo e problemas de saúde mental de forma a reduzir incêndios, a maioria no Norte e Centro.
Corpo do artigo
O incendiarismo é já a principal causa de incêndios em Portugal e, no ano passado, foi responsável por 84% da área ardida com causa conhecida (um pouco mais de 84 mil hectares). Foram quase todos no Norte e Centro do país, regiões que concentram 97% da área ardida total (134 mil hectares). O combate a comportamentos de risco nas queimas e queimadas permitiu uma redução de ocorrências no país, mas falta cuidar dos problemas de alcoolismo e de saúde mental que levam muitos a atear chamas, em cenários que, conjugados com meteorologia severa, conduzem a tragédias como a que se viveu em setembro passado.
Só em 2024, os incendiários – incluindo imputáveis e não imputáveis, tivessem ou não intenções dolosas – foram responsáveis por 84% da área ardida e por 42% das ocorrências. As outras deveram-se a uso de fogo, como queimas e queimadas (41%), a causas acidentais e a naturais. Foi o Norte (57% das ocorrências e 48% da área ardida) e o Centro (17% das ocorrências e 49% da área ardida) que mais sofreram, devido aos incêndios de setembro.
A tendência, como espelham os relatórios da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), já se vinha sentindo nos últimos anos (ver infografia). Em 2023, por exemplo, o incendiarismo correspondeu a 31% das ocorrências e os fogos causados por uso indevido representaram 50%.
“Antes de 2018 havia muitos incêndios, cerca de 20 mil por ano, e a maioria era resultante de queimas e queimadas”, mas as campanhas de sensibilização e mecanismos dirigidos a quem trabalha os terrenos (aplicação Queimas e Queimadas do ICNF ou o telefone 808 200 520) permitiram uma “redução grande” de incêndios, explica Tiago Oliveira, presidente da AGIF. Em consequência, assistiu-se a um aumento percentual do incendiarismo e ganhou visibilidade a necessidade de se combater o fenómeno. Segundo o líder da AGIF, para isso é urgente dar prioridade a medidas de prevenção “do alcoolismo e problemas de saúde mental”, assim como ao acompanhamento de reincidentes e vigilância de comportamentos.
O presidente da AGIF sublinha que, para continuar a reduzir os fogos, é preciso atacar o incendiarismo e a gestão da floresta (ler texto ao lado), pois “o combate aos fogos está muito musculado”. Nos últimos anos, acrescenta, “ao termos reduzido o número de incêndios, a capacidade de combate fica mais alavancada, ou seja, vamos ter mais meios para cada incêndio”.
Percebem de fogos
Segundo Avelino Lima, responsável na Polícia Judiciária (PJ) pelo Grupo de Acompanhamento Permanente e Apoio para os incêndios florestais, a maioria do incendiarismo é “involuntário”, ou seja, não há uma intenção de cometer o crime de incêndio, mas há ações que têm essa consequência. Algumas são de “difícil resolução porque resultam de questões culturais”, como a limpeza de forma inadequada de matos “por parte de emigrantes”, durante as férias de verão, exemplifica.
Quanto aos que têm intenção dolosa, o perfil traçado pela PJ indica que são geralmente homens (no ano passado verificou-se um aumento do género feminino), pessoas desestruturadas em termos sociais, com problemas de alcoolémia, debilidades sociais ou psíquicas, deslumbrados com o espetáculo do fogo. E alguns estão a ficar mais “competentes”. “Já detivemos indivíduos que dominam notoriamente aspetos do fogo e isso é dramático, porque conseguem atingir os seus intentos de forma mais violenta”, refere Lima.
No ano passado, a PJ deteve 53 suspeitos e constituiu arguidos 191 indivíduos, em situações de incêndio doloso. A GNR deteve 36 indivíduos e identificou 551 pela prática de crime de incêndio florestal, essencialmente devido a comportamentos negligentes.
Avisar turistas
Xavier Viegas, coordenador do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, alerta que o comportamento da população é importante, também, para evitar que os fogos provoquem prejuízos elevados. “A limpeza de vegetação em torno das casas tem de ser uma prioridade, pois apesar dos avisos que o país tem tido e esforço por parte das autoridades e autarquias para haver mais cuidados, ainda há muito a fazer”, diz o especialista. Este é um dos grandes problemas quando ocorrem incêndios, “pois facilmente [as chamas] chegam perto de casas”. Se estas “não estiverem protegidas, causam problemas sérios aos habitantes, às forças de combate e ao país”.
Xavier Viegas realça, ainda, que tem de haver um “cuidado na comunicação de risco”, que não esqueça turistas e emigrantes, que “não estão habituados ao ambiente de fogo que temos no país e podem ser surpreendidos”.