Doente não cumpriu isolamento, mas também foi ilibado de desobediência. Tribunal não aprova cadeia de contágio.
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O Tribunal de Penafiel deu como provado que um infetado com covid-19 não cumpriu a ordem de isolamento domiciliário. Contudo, os juízes absolveram António Duarte, de 58 anos, dos crimes de propagação de doença e de desobediência. Na base da decisão, uma das primeiras nos tribunais portugueses sobre a pandemia, está a impossibilidade de provar a cadeia de propagação e a inconstitucionalidade da norma imposta pelo Governo.
Ao JN, António Duarte garante que está de "consciência tranquila". "Cumpri as indicações dadas pelo enfermeiro da Delegação de Saúde de Paredes. Foi ele que me disse para tratar dos problemas urgentes e depois regressar a casa", afirma.
Porém, para o tribunal, o dono de uma empresa de construção civil teve conhecimento de que estava infetado com covid-19 em 10 de maio de 2020 e, "não obstante soubesse que não podia contactar com outras pessoas ou ausentar-se do domicílio", deu boleia a um amigo. Segundo o acórdão de dezembro último, António Duarte "também se deslocou [de Penafiel] para a zona de Lisboa", onde permaneceu quatro dias, após ter acusado positivo num teste de despistagem.
Mesmo assim, António Duarte foi absolvido dos crimes de que estava acusado. "A violação do confinamento não serve de fundamento, por si só, para que se esteja perante um crime de propagação de doença contagiosa", alegaram os juízes.
Para estes, é necessário haver "nexo causal entre a conduta" do infetado e a existência de novos casos, o que não foi possível apurar. "Dos contactos que o arguido teve com violação de confinamento, apenas o irmão esteve infetado pela doença. No entanto, não se apurou [...] que a doença tivesse sido transmitida pelo arguido", afirmaram.
Doença não é grave
Os juízes concluíram ainda que não se provou, como exige a lei, que a covid-19 seja uma doença grave, sustentando que em apenas 5% dos casos há "infeções muito graves, que necessitam de ventilação assistida em ambiente hospitalar".
Por outro lado, o tribunal entendeu que a lei que obrigava ao confinamento de infetados é inconstitucional. Só a Assembleia da República tem competência para "legislar em matéria criminal" e, no caso da pandemia, as leis foram ratificadas exclusivamente pelo Governo, justificou. v