O especialista a arrombar fechaduras que, três meses antes do assalto aos paióis de Tancos, participou na sua preparação e, pouco tempo depois, denunciou a sua iminência ao Ministério Público (MP), assegurou ontem, na instrução do processo, que não recebeu dinheiro da Polícia Judiciária (PJ) nem participou em qualquer ação encoberta no âmbito do inquérito ao roubo do armamento ocorrido na madrugada de 28 de junho de 2017.
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Paulo Lemos, conhecido como "Fechaduras", depôs na presença de um homem com quem, segundo a acusação do MP, planeara, a 10 de março de 2017, a melhor forma de entrar ilegalmente naquelas instalações militares. Para, apenas cinco dias depois, o trair, por ter jurado à mãe que não iria voltar a ser preso, explicou o próprio. O "arrependimento" permitiu a Paulo Lemos chegar a esta fase do processo apenas como testemunha. Já João Paulino, o alegado cérebro do assalto, foi acusado de, entre outros ilícitos, associação criminosa e tráfico e mediação de armas, e esteve um ano e quatro meses preso preventivamente. Ontem, foi a primeira vez que entrou no Tribunal de Monsanto, em Lisboa, sem ser dentro de uma carrinha celular, após ter sido libertado há dias.
Crime planeado ao almoço
"O senhor Paulo Lemos afirmou que fez todos os possíveis para que o assalto não se concretizasse. Nega que tenha recebido dinheiro e instruções da PJ, mas [admite] que se encontrou duas ou três vezes com inspetores", disse, à saída, Manuel Ferrador, advogado do coronel Luís Vieira, diretor da Polícia Judiciária Militar à data dos factos.
O oficial é suspeito de, com outros arguidos, ter delineado e executado um plano para, à margem da investigação liderada pelo MP e pela PJ, recuperar o armamento. Para tal, o grupo terá negociado a devolução das armas com João Paulino, oferecendo-lhe, em troca, segundo o MP, "impunidade criminal". A recuperação do material aconteceu a 18 de outubro de 2017, mas, cerca de um ano depois, acabariam ambos detidos pela PJ civil. A acusação foi deduzida em setembro do ano passado, com todos os factos relativos a "Fechaduras" a serem arquivados pelo MP.
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No documento, os procuradores relatam que, a 10 de março de 2017, Lemos e um amigo viajaram de Albufeira até Lisboa para almoçarem com João Paulino num restaurante. Este terá então partilhado o seu plano para assaltar os paióis, propondo a "Fechaduras" que, por 50 mil euros, "ficasse responsável pela abertura" das instalações ou apresentasse "uma solução", o que este fez, chegando até a indicar onde poderiam comprar a ferramenta própria para o efeito.
Mas, a 15 de março, Paulo Lemos decidiu contactar uma procuradora e alertá-la para o plano e esta falou com inspetores da PJ. O "esforço sério" para evitar o crime foi, mais de dois anos depois, suficiente para o MP arquivar o processo de "Fechaduras".
Pormenor
Na acusação, o MP defende que, após a denúncia de "Fechaduras", poderia ter apanhado os assaltantes em flagrante, mas alega que tal não foi possível porque, inicialmente, o tribunal não autorizou escutas. A nega dada pelo juiz Ivo Rosa, do Tribunal Central de Instrução Criminal, chegou 20 dias antes do roubo, depois de o processo ter já passado por duas comarcas que se declararam incompetentes para decidir. A denúncia oficial tem data de 7 de abril de 2017 e foi tornada anónima, apesar de tal não ter sido solicitado por "Fechaduras", um dos visados pelas escutas. O outro era João Paulino.
Processo
Mais de 20 arguidos
Das 23 pessoas acusadas pelo MP no âmbito do inquérito ao roubo de armamento de Tancos, 14 estão alegadamente ligados à recuperação encenada do material. Entre estes, está Azeredo Lopes, ministro da Defesa à data dos factos.
Instrução a decorrer
O ex-governante foi um dos 15 arguidos que requereram a instrução, destinada a decidir se o processo segue para julgamento. As diligências começaram no último dia 8, em Lisboa.
Azeredo é o próximo
Azeredo Lopes será o próximo a ser interrogado pelo juiz Carlos Alexandre. É na segunda-feira, à porta fechada.