Ministério Público sustenta que o arguido se quis vingar de processo por dívidas à administração.
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Um inspetor da ASAE do Porto, para se vingar da administração de uma empresa de condomínio que o tinha metido em tribunal por dívidas, decidiu, à revelia da hierarquia e do Ministério Público (MP), fiscalizar e constituir arguidos os elementos da dita administração de coproprietários. Agora vai responder em tribunal por crimes de prevaricação, abuso de poder e peculato.
O caso remonta a novembro de 2016, mas só agora vai a tribunal. Na manhã de 21 daquele mês, o coordenador Domingos Gomes, da Unidade Operacional I (da ASAE Porto), distribuiu à brigada da qual fazia parte o inspetor Luís Manuel da Silva Araújo o serviço a ser realizado nesse dia e que consistia na fiscalização de quatro denúncias, referentes a operadores económicos na Maia, Vila Nova de Gaia, Porto e Lousada.
Com o colega e no carro de serviço, Luís Araújo saiu da ASAE pouco passava das 10 da manhã e regressou já depois das 18 horas. No relatório apresentado verificou-se que, nesse dia, das quatro fiscalizações que lhe foram atribuídas, apenas fizera a referente a Lousada. Porém, a quilometragem da viatura nesse dia ultrapassava os 300 quilómetros. A explicação surgiu mais tarde.
Depois de fiscalizar Lousada, Araújo, por iniciativa própria e sem conhecimento do colega - que julgaria estar dentro da legalidade - decidiu rumar a Matosinhos para fiscalizar o condomínio de luxo onde o próprio residia e que era administrado pela Varandas da Agudela, contra a qual não havia queixas ou reclamações. Pior: não é da competência da ASAE fiscalizar condomínios residenciais. Sê-lo-ia, se estivesse em causa um operador turístico, mas Luís Araújo sabia que não era esse o caso, vinca o MP.
Ali chegado, Araújo autointitulou-se "supervisor da Unidade Operacional" - cargo que nem sequer existe - e terá pedido, visto e fotografado os documentos que quis, antes de lavrar um auto de notícia imputando à administração do condomínio crimes de "desobediência", "devassa da vida privada" e ainda de "não cumprimento de obrigações relativas a proteção de dados". Depois "esqueceu-se" de remeter o referido auto ao MP, titular da ação penal, e tão-pouco deu conhecimento daquela inspeção à sua hierarquia. Se fizesse uma destas duas obrigações, rapidamente se constataria da sua ilegitimidade.
Vingança por processo
Uma semana após a fiscalização, Araújo, sem conhecimento da hierarquia e do MP, perseverou na ilegalidade ao enviar uma convocatória onde notificou a administração da Varandas da Agudela a comparecer na ASAE no Porto, "perante o inspetor Luís Araújo, a fim de ser ouvido como arguido".
Terá sido neste momento que os responsáveis do condomínio questionaram, junto da ASAE, a legitimidade da fiscalização e do que se seguiu. Ao mesmo tempo, apresentaram o que, no seu entender, estava por detrás daquilo: Luís Araújo morava naquele condomínio e tinha a correr contra si um processo em tribunal, por avultadas dívidas ao mesmo.
O MP conclui agora que o inspetor quis "tirar desforço pessoal" e "prejudicar a Administração do Condomínio Varandas da Agudela, designadamente constituindo elementos da administração como arguidos perante si próprio".