Inspetora acusa César Boaventura de usar empresa extinta para burlar futebolistas
Uma inspetora da Polícia Judiciária (PJ) afirmou, esta quinta-feira, no Tribunal de S. João Novo, no Porto, que o agente de futebol César Boaventura usou uma sociedade já extinta para fazer negócios com futebolistas.
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Segundo Liliana Vasconcelos, inspetora da PJ que foi titular da investigação e depôs na qualidade de testemunha, na segunda sessão do julgamento do caso “Malapata”, o principal arguido do processo usava papel timbrado de uma empresa extinta, para que futebolistas assinassem contratos de cedência de direitos de imagem.
César Boaventura, que está em prisão domiciliária, responde por nove crimes de fraude fiscal, falsificação de documentos, burla e branqueamento de capitais.
António Nogueira David, inspetor-chefe também ouvido como testemunha, contou que a PJ começou a investigar César Boaventura em junho de 2020, juntamente com a AT, e recolheu, em escutas e vigilâncias, indícios de que aquele também teria cometido, além de fraude fiscal e branqueamento, crimes de burla em transferências, algumas delas fictícias, de futebolistas. Em dezembro de 2021, o suspeito seria alvo de buscas e detido.
Segundo a mesma testemunha, a análise bancária, contabilística e fiscal sobre o suspeito permitiu perceber que havia "muitas importâncias que estariam em bancos no Dubai e no Reino Unido” e jamais haviam sido declaradas às Finanças em Portugal. Muitos dos movimentos nas contas de Boaventura estariam relacionados com transferências de jogadores, como Luca Waldschmidt para o Benfica, em 2020, acrescentou.
Outro inspetor da PJ, Sérgio Silva, mencionou ao coletivo de juízes do Tribunal de S. João Novo que Boaventura se terá dirigido a vários clubes, “fazendo-se de representante de Houssem Aouar”, futebolista argelino, e terá pedido 20 mil euros para este fazer exames médicos. Porém, segundo o polícia, esta quantia, que alguns acederam a pagar, não terá ido para tais fins.
“Dificuldades em colocar dinheiro em Portugal"
A inspetora Liliana Vasconcelos declarou ao tribunal que César Boaventura também auferiu meio milhão de euros pela transferência do jogador português Mika (Michael Simões Domingues) para o Boavista, que depois foi dividida por várias empresas, nomeadamente uma firma canadiana registada no nome de José Lima, um dos empresários convencidos por Boaventura a entregar-lhe dinheiro.
Para aumentar a sua credibilidade “como empresário de sucesso”, César Boaventura usaria, segundo a inspetora, documentos supostamente assinados por atletas em que estes cederiam os direitos de imagem a uma empresa por si titulada. No entanto, em alguns desses documentos, "a empresa mencionada estava já extinta", afirmou Liliana Vasconcelos.
Esta também contou que, para ganhar a confiança de pessoas endinheiradas, a maior parte ligadas a negócios do futebol, Boaventura "apresentava extratos das suas contas com valores falsos" na ordem das centenas de milhões de euros. O objetivo era, alegadamente, pedir-lhes dinheiro emprestado.
Além disso, e através do WhatsApp, o empresário chegou a enviar a Marco Carvalho, um empresário de Barcelos, ligado ao setor da metalúrgica, um vídeo adulterado mostrando uma enorme quantia de bitcoins, "sendo que esse vídeo tinha sido apenas sido uma simulação de aquisição", disse Liliana Vasconcelos.
A José Lima, outro empresário, também foi enviada, pelo menos, uma fotografia de notas de 50 euros. Quando pedia dinheiro, a sua justificação passava por “dificuldades em colocar dinheiro em Portugal", explicou a inspetora da PJ.
César Boaventura é ainda suspeito usar o nome do futebolista franco-argelino Houssem Aouar (atualmente a jogar na Roma de José Mourinho) para sacar dinheiro a Marco Carvalho, o empresário de metalurgia de Barcelos. Boaventura devia 100 mil euros de um carro de luxo que comprara ao empresário Pedro Martins, mas falhava sucessivamente o pagamento, e, já cansado da insistência do vendedor, pediu a Marco Carvalho que lhe enviasse dinheiro, "porque tinha fechado a transferência de Houssem Amuar e precisava de garantir os direitos de imagem".
Marco Carvalho voltou a acreditar, “convencido de que estaria a adiantar a transferência”, e enviou 35 mil euros que caíram na conta de Pedro Martins, declarou Liliana Vasconcelos.
Neste julgamento, os arguidos decidiram remeter-se ao silêncio, excetuando José Meira que logo na primeira sessão confessou os factos de que foi acusado. Meira emprestou uma conta sua a Boaventura e passou-lhe uma fatura de favor no valor de 26 mil euros.
Oito arguidos
O processo tem, além de César Boaventura, outros sete arguidos: Ramiro Viana, descrito na acusação como “homem de recados” de César Boaventura; José Meira, gerente da empresa Transdrive, Unipessoal, Lda.; Ilda Barbosa e Paulo Torres, todos detentores de contas bancárias que o Ministério Público diz terem servido para branqueamento de capitais gerados pelo suposto esquema de Boaventura; e três empresas.
A próxima sessão do julgamento está agendada para dia 12 de outubro.