Inteligência artificial incapaz de "traduzir" para todos as decisões dos tribunais
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) falhou o objetivo que tinha definido, no âmbito de um projeto parcialmente financiado por fundos europeus, de passar a usar inteligência artificial para resumir as decisões dos tribunais em linguagem compreensível para generalidade dos cidadãos.
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"É um exercício intelectual que ainda não cabe naqueles que são os desenvolvimentos da inteligência artificial", justificou Henrique Araújo, presidente do STJ, numa sessão de apresentação esta quarta-feira, em Lisboa, das duas ferramentas que resultaram do mesmo projeto: uma aplicação informática para anonimizar sentenças com maior rapidez e menos recursos humanos, e uma base de dados de jurisprudência mais facilmente navegável e que, a partir de meados do próximo ano, 2024, incluirá decisões judiciais da primeira instância.
Por razões de proteção dos intervenientes nos processos, nenhuma sentença ou acórdão pode ser disponibilizada ao público em geral sem que os dados pessoais sejam "apagados". "A proteção de dados pessoais é uma ditadura, mas é uma ditadura que protege a democracia", salientou o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, Azevedo Mendes, falando num "dia feliz" para os tribunais portugueses.
Para já, a ferramenta de anonimização está a ser usada apenas no STJ, mas será, através do Conselho Superior da Magistratura, expandida aos restantes tribunais do país, à exceção dos Tribunal Administrativos e Fiscais, geridos por outro Conselho Superior. O órgão de gestão dos juízes dos tribunais judiciais irá ainda discutir com o Tribunal de Contas e o Tribunal Constitucional a inclusão das suas decisões na base de dados global em desenvolvimento.
Atualmente, existem diversas bases de dados públicas dos acórdãos dos tribunais superiores. No entanto, estão dispersas por vários sites e são de difícil pesquisa, incluindo a mais global de todas, já gerida pelo órgão de gestão e disciplina dos juízes: o ECLI.
"A ferramenta não era user-friendly [amiga do utilizador] e eu acho que é aqui que esta aplicação faz a diferença. No fundo, é como o tablier de um carro", frisou, durante a sessão, José Borbinha, responsável pela equipa técnica que desenvolveu o projeto, denominado IRIS e adjudicado em 2020, por 283 200 euros, ao INESC-ID, formado por professores e investigadores do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa e do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa.
"Sumário" é, afinal, novo texto
Pelo caminho, ficou o objetivo de, como referira ao JN em 2021 fonte oficial do STJ, criar um programa baseado em inteligência artificial que conseguisse "pegar numa decisão e resumi-la em linguagem compreensível para qualquer pessoa; resumi-la em linguagem jurídica" ou "pegar num texto jurídico qualquer e resumi-lo de qualquer destas formas".
Em causa, explicou esta quarta-feira José Borbinha, está o facto de esse resumo não ser um "sumário", como pensou inicialmente a sua equipa, mas um segundo texto elaborado pelo juiz que elabora a sentença. Isto porque, precisou Henrique Araújo, é o próprio magistrado que tem de decidir qual é o tema e as questões da sentença ou acórdão que importam destacar.
"É um desafio diferente. Estamos falando em produção intelectual", insistiu o responsável pela equipa técnica, lembrando que o IRIS "não é um projeto de investigação" e, por isso, a equipa não conseguiu "ir além do estado da arte". Ainda assim, ressalvou há "um conjunto de complementos" desenvolvidos nesse âmbito durante o trabalho que poderão vir a ser "integrados" no futuro para ajudar na simplificação da linguagem.