O presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino de Morais, é um dos oito arguidos que o Ministério Público acaba de acusar de prevaricação de titular de cargo político, num inquérito sobre a contratualização de parcerias público-privadas institucionais (PPPI) em três municípios da Área Metropolitana de Lisboa. Os factos sob suspeita remontam ao período entre 2006 e 2012, anterior à prisão do autarca por fraude fiscal e branqueamento de capitais. Depois da reclusão, Isaltino voltaria a conquistar a Câmara de Oeiras, nas eleições de 2017, e ainda se mantém no cargo.
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Além de Isaltino de Morais, terão sido acusados o ex-vice-presidente da Câmara de Oeiras Paulo Vistas e, segundo noticiou o "Público", antigos autarcas de Mafra, José Ministro dos Santos, e de Odivelas, Susana Amador, atual deputada do PS.
Um comunicado publicado no portal da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL), nesta quinta-feira, informa que foi deduzida acusação contra oito arguidos indiciados pela prática de crimes de prevaricação de titular de cargo político.
Entre os acusados estão seis titulares e ex-titulares de cargos políticos, um presidente do conselho de administração de uma empresa da área da construção civil e um presidente do conselho de administração de uma empresa de assessoria/consultoria, detalha a PGDL, sem contudo identificar os arguidos.
A mesma nota também não diz quais são os três municípios da Área Metropolitana de Lisboa sob suspeita, mas explica que o parceiro privado escolhido por aqueles "foi sempre um consórcio liderado pela mesma empresa de construção civil". Além disso, acrescenta, "todos os procedimentos concursais" foram "preparados e instruídos pela mesma empresa de assessoria/consultoria".
Contornar limites de endividamento
"Resultou suficientemente indiciado que, a partir de 2006, estas duas empresas encetaram contactos com os representantes de várias autarquias nos quais apresentaram um modelo de PPPI em que a construção dos equipamentos ficava a cargo de uma sociedade de capitais maioritariamente privados, a qual adjudicava depois as obras ao parceiro privado e, uma vez concluídas, arrendava os equipamentos ao município por um prazo de 25 anos, findo o qual estes passavam a ser propriedade do município", conta a Procuradoria.
Esta explica que aquele modelo de contratação permitia que as autarquias não se endividassem diretamente, numa altura em que os seus níveis de endividamento se situavam "já próximos do limite legal". Isto, porque a obra seria suportada por uma sociedade privada e não pelo município, "que só teria de assegurar o pagamento de rendas", acrescenta.
No entanto, sublinha a PGDL, "o pagamento das rendas ao longo desses 25 anos implicava um custo maior para o município quando comparado com o custo de construção dos equipamentos com recurso a uma empreitada de obra pública".
Concursos viciados
Nos contactos das empresas privadas com os municípios, aquelas ofereciam "a preparação dos procedimentos concursais das PPPI, sendo tais serviços prestados pela empresa de assessoria/consultoria, mas pagos pela empresa de construção civil, por via de um contrato de prestação de serviços que já havia sido celebrado entre estas".
"Por via desse contrato a empresa de construção garantia a sua escolha como parceiro privado nas PPPI, através de um concurso feito "à sua medida" e do qual tinha conhecimento antecipado".
Segundo o Ministério Público, os autarcas sabiam da relação e do contrato entre a construtora e a empresa de consultoria, pelo que, "quando decidiram lançar os procedimentos concursais das PPPI, aceitando que os mesmos fossem instruídos por aquela empresa de assessoria/consultoria, sabiam de antemão que isso iria beneficiar aquela concreta empresa de construção civil e, necessariamente, prejudicar o município a longo prazo".
Em resultado dos factos, ocorridos entre 2006 e 2012, "a empresa de construção civil conseguiu obter lucros com margens superiores àquelas que eram habitualmente praticados no setor da construção civil e os municípios envolvidos saíram prejudicados, quer na medida em que a opção pelo modelo de contratação tradicional - através de uma empreitada de obras públicas - teria tido custos inferiores aos que resultaram da construção dos equipamentos com recurso àquele modelo de PPP, quer dentro deste modelo por via da distorção das regras da livre concorrência".
A investigação foi dirigida pelo Departamento de Investigação e Ação Penal Regional de Lisboa, com a colaboração do Núcleo de Assessoria Técnica da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Judiciária.
Entre 2013 e 2014, Isaltino de Morais esteve na prisão durante 427 dias, por conta de uma pena de dois anos, que o puniu por crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Quando o autarca ingressou na prisão, ao fim de muitos recursos e incidentes processuais, era vice-presidente da Câmara Paulo Vistas. Este substituiu Isaltino na presidência e, nas eleições autárquicas seguintes, seria eleito para o cargo.
Já em liberdade, Isaltino de Morais candidatou-se e conquistou novamente a presidência da Câmara de Oeiras em 2017, voltando a vencer as eleições de 2021.