Família e amigos realizaram cerimónia fúnebre de doente mental que vagueava, a pé e à boleia, por França, Espanha e Portugal. Investigação do SEF foi fulcral para identificar indigente sem documentos que permanece em paradeiro incerto após fuga do Hospital Magalhães Lemos.
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Um italiano dado como morto pela família e amigos foi detido em Oliveira de Frades, Viseu, depois de, em meio ano, ter atravessado parte de Itália, França, Espanha e Portugal a pé ou à boleia. Sem identificação e a padecer de uma depressão profunda que o levava a assumir diferentes personalidades, Marco Ghedini foi encaminhado para o Centro de Instalação Temporária (CIT) de estrangeiros e internado, em seguida, no Hospital Magalhães Lemos, ambos no Porto.
Era desta unidade psiquiátrica que deveria sair para a já programada viagem de regresso a casa, mas, no último sábado, voltou a fugir e o seu paradeiro continua desconhecido. Foi localizado pela última vez, na terça-feira, em Grijó, Vila Nova de Gaia, por inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que desempenharam um papel fundamental na difícil tarefa de descobrir a origem do homem, de 29 anos.
"Farrapo humano" que "raramente falava"
Sem tomar banho há cerca de quatro meses, de barba e cabelo grandes, com roupa rasgada e botas mais do que gastas, o homem foi visto a vaguear pelas ruas de Oliveira de Frades no último dia de novembro do ano passado. Com medo, a população alertou a GNR e os militares detiveram o indigente por este não possuir qualquer documento identificativo e existir, portanto, a possibilidade de ter entrado ilegalmente em Portugal.
No dia seguinte, foram acionados os serviços do SEF e os inspetores encontraram, na descrição de Vítor Branco, "um farrapo humano", que "raramente falava" e que quando o fazia apresentava "delírios". Neste estado de debilidade, foi apresentado, em 2 de dezembro, no Tribunal de Oliveira de Frades e ouviu o juiz decretar que fosse levado, sob detenção, para o CIT da Unidade Habitacional de Santo António e expulso para o país de origem, no prazo de 60 dias.
Só que ninguém sabia que país era esse. "Praticamente, o jovem só falava, numa espécie de língua entre o espanhol, português e italiano, para pedir cigarros e, numa ocasião, disse que era croata. Mas essa hipótese foi afastada pela embaixada da Croácia após análise das impressões digitais", descreve Vítor Branco.
Pistas apontam para Itália
Preocupado com o destino do detido, que seria transferido em 20 de dezembro para o Hospital Magalhães Lemos devido a um surto psicótico, o inspetor percorreu, sem sucesso, "as bases de dados possíveis e imaginárias", mas acabou por conseguir reunir algumas pistas que permitiram localizar o indocumentado nas localidades espanholas de Bilbau, Madrid e Salamanca. Depois, algumas palavras ditas pelo detido e um número de telefone com indicativo italiano apontaram a investigação para o país transalpino.
"Contactei a embaixada italiana que, numa primeira fase, não conseguiu confirmar a identificação", recorda. Por isso, só a lista de contactos pessoais do inspetor e uma intensa pesquisa nas redes sociais, feita ao longo da madrugada, permitiram perceber que o detido era Marco Ghedini, de Ostiglia, na Lombardia. "Contactei quatro ou cinco amigos dele e, pelas 3 horas de 6 de janeiro, comecei a receber mensagens. Pensavam que era uma brincadeira de mau gosto e só quando lhes enviei uma fotografia é que acreditaram que o Marco estava vivo", conta Vítor Branco.
Cerimónia fúnebre sem corpo
Foram os mesmos amigos que puseram o inspetor em contacto com a mãe de indigente. "Enviei-lhe uma mensagem às 5.30 horas e às 7 horas ela ligou-me". Na conversa com a progenitora, Vítor Branco desenleou, por fim, todo o enredo. O jovem detido em Oliveira de Frades era um antigo aluno universitário de Belas Artes, chamado Marco Ghedini que, no final de 2020, sofreu uma depressão profunda. Foi a doença que o fez fugir de casa em março do ano passado, mas seria encontrado passadas algumas semanas.
O problema mental, contudo, permaneceu incurável e, em junho, Marco Ghedini garantiu que se ia suicidar e foi visto a caminhar em direção a uma ponte. Embora as buscas efetuadas no rio nunca tivessem recuperado o corpo, todos ficaram convencidos que Marco estava morto e família e amigos chegaram a organizar uma cerimónia fúnebre.
Nessa altura, este já caminhava em direção a França, que demorou um mês a percorrer, e, em agosto, entrou em Espanha. Em outubro, apanhou boleia de um camião que atravessou a fronteira de Vilar Formoso e que o largou em território nacional para que fosse, a pé, até Aveiro. Aqui, trabalhou num circo durante cerca de 15 dias e regressou à estrada para rumar a Oliveira de Frades. "Dormia onde calhava e comia o que podia", refere Vítor Branco.
Fugiu do hospital
O regresso de Marco Ghedini a Itália já estava marcado e, numa operação que envolvia a embaixada italiana, seria acompanhado por um enfermeiro português. Porém, no sábado, o jovem fugiu do Hospital Magalhães Lemos e continua em paradeiro desconhecido.
Vítor Branco conseguiu localizá-lo em Grijó, de onde, na terça-feira, telefonou à mãe para pedir-lhe que o visse buscar. Disse que estava a ser perseguido e que tinha medo de ser assassinado. O telefonema, apurou o SEF, foi efetuado através de um telemóvel que Marco pediu emprestado a um homem que interpelou na rua, mas que, aos inspetores, já não soube indicar a localização do fugitivo.
Vítor Branco suspeita que o italiano em fuga esteja a caminho de Aveiro, para reencontrar as pessoas que contactou quando por ali passou a primeira vez, e pede que seja comunicada qualquer informação que possa levar a encontrar Marco Ghedini.