Empresário Joe Berardo terá planeado, com André Luiz Gomes e Gonçalo Moreira Rato, esquema para evitar pagar créditos contraídos para comprar BCP.
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O empresário Joe Berardo e dois advogados, André Luiz Gomes e Gonçalo Moreira Rato, foram, na quarta-feira, acusados pelo Ministério Público (MP) de ter montado um esquema, à volta da Associação Coleção Berardo, para não pagar créditos de mil milhões de euros, que o empresário contraiu, em grande parte, para adquirir 10% do Millennium BCP e que nunca pagou.
De acordo com o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), o crime de burla foi cometido num contexto de créditos malparados. Em 2008, o madeirense beneficiou de empréstimos da Caixa-Geral de Depósitos (CGD), totalizando 439 milhões de euros. Como garantia, deu as próprias ações do BCP que iria comprar e títulos sobre a chamada Coleção Berardo, com obras de arte a valer entre 400 e 500 milhões de euros. Ao BCP já deveria cerca de 400 milhões e ao BES (agora Novo Banco) cerca de 200 milhões. A garantia seria a mesma: títulos da Associação Coleção Berardo.
O dinheiro serviu para que o empresário controlasse perto de 10% do Millennium e, aliado a outros acionistas, tivesse uma posição dominante no banco. Só que as ações desvalorizaram-se a pique e, com a cumplicidade dos dois advogados, segundo o MP, Berardo terá começado a proteger e dispersar os seus bens para evitar pagar os empréstimos.
“Investigaram-se factos relacionados com a concessão de garantias à CGD, BES e BCP sobre 100% dos títulos da Associação Coleção Berardo, no âmbito de acordos celebrados entre 2008 e 2012, relativamente a financiamentos contratados com entidades do Grupo Berardo e não pagos, no valor total de cerca de mil milhões de euros”, explicou, ontem, o Ministério Público (MP), que descreveu o esquema.
“Através da instauração, em 2013, de ação cível simulada, que não correspondia a um litígio efetivo, as três pessoas singulares arguidas, em comunhão de esforços, lograram obstaculizar o acesso dos bancos credores aos títulos e património da associação, composto por obras de arte avaliadas em centenas de milhões de euros”, acrescentou o MP.
Engenharia jurídica
O esquema imputado a Joe Berardo, que a PJ deteve em junho de 2021, e aos dois advogados incluía uma sofisticada engenharia jurídica destinada a disfarçar a titularidade de património, que envolveu a simulação de um litígio judicial na associação da Coleção Berardo.
A decisão judicial, decorrente da alegada simulação de litígio, terá permitido aos “arguidos aprovar deliberações em assembleias gerais da Associação Coleção Berardo lesivas dos interesses patrimoniais dos bancos credores e contrárias ao acordado nas negociações e contratos celebrados entre 2008 e 2010”.
Depois de a CGD, o Novo Banco e BCP terem intentado ações para penhorar a coleção, na tentativa de recuperar pelo menos parte dos mil milhões de euros emprestados, foi deliberada a alteração dos estatutos da Associação e promovido um aumento de capital, o que dificultou a ação dos bancos.
Ontem contactado pelo JN, Paulo Saragoça da Matta, advogado de Berardo, disse que ainda não recebera o despacho do Ministério Público e remeteu “qualquer reação para momento em que tenha lido a acusação, de cuja existência soube pelas notícias”.