José Sócrates: "eu não tenho nenhum respeito pelo que diz o Ministério Público"
José Sócrates comparece esta quarta-feira a tribunal, para a terceira sessão do processo que resultou da Operação Marquês. O antigo primeiro-ministro acusou o procurador do Ministério Público, Rui Real, de fazer voyeurismo ao ter pedido a audição de escutas na sala de audiência.
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O procurador pediu ao tribunal a audição de outras escutas envolvendo os mesmos homens, com o intuito de demonstrar a proximidade que havia entre eles.
Nestas interseções, os dois homens falam de almoços e agendam tomar café, com trocas de abraço.
O MP diz que Sócrates já declarou, na sessão anterior, que não tinha uma relação de amizade com Granadeiro.
O ex-primeiro-ministro indignou-se com a transmissão das escutas que acusou de não passar de um voyeurismo. "Fiquei indignado por terem sido referidas pessoas já falecidas [Mário Soares e Almeida Santos]. Não têm o direito de usar isto. Mas adiante. Eu nunca disse que não era amigo do doutor Henrique Granadeiro. Sou amigo dele, desde que o conheci através da sua ex-mulher, Margarida Marante. O que referi é que nunca tive nenhum almoço nessa altura, na altura das disputas [OPA da PT e venda da Vivo, OI]", afirmou o principal arguido da Operação Marquês. Na escuta, Sócrates evocava com Granadeiro, em tom de brincadeira, uma conversa em que Mário Soares e Almeida Santos lhe falaram da vida sexual de Salazar, com a sua governanta.
"Se o tribunal me exige que eu me restrinja ao objeto do processo, peço que o tribunal faça o mesmo com o Ministério Público", disse Sócrates, antes do seu advogado Pedro Delille requerer o desentranhamento destas escutas e que declarasse nula esta parte do julgamento: "A amizade ainda não é crime em Portugal. As escutas servem para provar crimes".
A juíza-presidente, Susana Seca, disse que a prova (escutas) era válida, mas realçou que o tribunal apenas irá valorar as provas que considerará pertinente para a decisão final.
O julgamento foi interrompido para almoço.
A juíza-presidente do tribunal informou, após uma pausa de dez minutos, que tenciona terminar a sessão desta quarta-feira, às 16.45 horas, o que foi do agrado de José Sócrates: "acho uma belíssima ideia. Hoje estou muito cansado. Talvez porque não falei", ironizou, após ter sido submetido a mais de cinco horas de interrogatório.
Após breves minutos de esclarecimentos, a juíza-presidente deu por terminada a terceira sessão. O julgamento prossegue esta quinta-feira, com a continuação do interrogatório de José Sócrates.
Depois do procurador Rui Real ter perguntado a Sócrates, através da juíza-presidente, para esclarecer uma entrevista dada pelo antigo secretário de Estado das Obras Públicas, Paulo Campos, sobre a PT, o antigo primeiro-ministro terminou a sua explicação com deixas menos abonatórias para o Ministério Público.
Rui Real não gostou e pediu à juíza-presidente para que José Sócrates respeite o MP: "não é a primeira vez que isto acontece com o Ministério Público e com o tribunal", lamentou o procurador.
O ex-primeiro-ministro respondeu: "Se o procurador acha que me dirigi ao MP em termos desrespeitosos, tem toda a razão. Depois daquilo que se passou esta manhã [acusação de voyeurismo], eu não tenho nenhum respeito pelo que diz o Ministério Público. Não tenho senhora juíza", afirmou.
No início da sessão da tarde desta quarta-feira, o procurador, Rui Real, pediu ao tribunal a audição de uma nova escuta telefónica, de dezembro 2011, envolvendo Sócrates e José Maria Ricciardi, então membro do conselho de administração do BES. Os dois homens trocam cumprimentos de boas festas, tratando-se por "caro amigo". Após a reprodução, Sócrates, diz que trata muita gente por "caro amigo".
Outra escuta reproduz Sócrates a pedir à sua então secretária, em 2013, o número de telemóvel de Ricardo Salgado. "Isto só mostra que não tinha o número de Ricardo Salgado. Quando digo não tinha, quero dizer que não tinha na minha agenda", esclareceu o ex-primeiro-ministro.
O procurador ainda pediu a José Sócrates que esclarecesse o conteúdo de uma escuta, ontem reproduzida, em que se ouve Salgado e Sócrates a combinar um jantar. "Mas não chegou a acontecer. Nunca fui jantar a casa do Ricardo Salgado".
O procurador confrontou Sócrates com uma mensagem enviada pela então secretária do antigo governante, com data, hora e morada do jantar em casa de Salgado, ainda com a menção que iria estar Henrique Granadeiro. "Pedi à minha secretária a direção da casa de Salgado. Mas não houve jantar".
Rui Real pediu então a audição de uma escuta envolvendo o motorista de Sócrates, João Perna e um terceiro. O motorista diz que Sócrates foi jantar a casa de Ricardo Salgado, o patrão do BES, queixando-se de estar a trabalhar muitas horas. O procurador pediu a audição de outra escuta de Perna, em que o motorista diz à sua interlocutora ter trabalhado 17 horas e meia na véspera (dia do alegado jantar). Perna diz que saiu de casa de Salgado à 1 da manhã. Rui Real quer saber como Sócrates garante não ter jantado em casa de Salgado, se o seu motorista foi escutado a garantir o contrário.
"Entrei em casa de Ricardo Salgado às 21h e saí de lá meia hora depois. Fui para uma outra casa, lá perto e, desculpe, mas não quero dizer qual casa. Foi também no Estoril, onde o pobre do João Perna teve de esperar. Não vou dizer em que casa fui".
Ministério Público perguntou, através da juíza-presidente, quais foram as empresas que o governo de Sócrates levou para iniciativas internacionais na Venezuela ou para Argélia, tal como aconteceu com o Grupo Lena.
"Foram várias empresas que me pediram", que disse não se lembrar mas mostrou-se disponível para entregar uma lista de empresa. “Não quero invocar o princípio do atual primeiro-ministro, que se recusou a dar o nome das empresas com as quais trabalhava”, afirmou ironicamente Sócrates.
O procurador Rui Real perguntou se teve conhecimento de um diferendo entre Carlos Santos Silva e o seu primo, José Paulo Pinto de Sousa: "Não tenho memória disso. Não me lembro de nenhuma turbulência", respondeu Sócrates.
"Havia algum interesse na concretização no negócio da Oi", perguntou o procurador, ao que Sócrates respondeu: "eu não conhecia ninguém da Oi, nem ninguém das telecomunicações no Brasil. Não sei"
Sobre as suas relações com Henrique Granadeiro, antigo chairman da PT, o procurador requereu que fosse ouvida uma escuta. Na interseção telefónica, de 2014, entre Sócrates e Granadeiro, os dois homens falam da venda da participação que detinha a CGD na PT: "foi ontem que a Caixa vendeu a PT; isto é que foi um gesto patriótico", diz Sócrates num tom irónico, criticando a postura do então governo de Pedro Passos Coelho. "Isto é o Estado a desarmar-se, não mantém um mínimo de controlo nacional. Que coisa lamentável", afirma o ex-primeiro-ministro. Granadeiro responde no mesmo sentido e afirma que chegou a falar com a então ministra sobre o assunto, lamentando o negócio. A conversa termina com os dois interlocutores numa conversa informal com risos e piadas, o que levou um dos advogados a exigir que o MP delimite o âmbito das transmissões de escuta.
O procurador Rui Real respondeu que o objetivo era perceber o grau de amizade e informalidade que Sócrates e Henrique Granadeiro mantinham.
"Contra todos os interesses dos acionistas da PT, contra todos os interesses particulares, nós íamos usar a Golden share da PT para travar a venda da Vivo [aos espanhóis da Telefonica]. O governo acreditava na importância de se manter no mercado brasileiro. Não permitirei sair do Brasil", afirmou Sócrates após ser instado pela juíza a explicar a sua posição sobre o processo da Vivo.
"Avisei Lula da Silva que íamos chumbar a venda da Vivo", afirmou ainda Sócrates.
Juíza-presidente questiona José Sócrates sobre as suas relações que constam da acusação e que envolvem o primo do ex-primeiro-ministro, José Paulo Pinto de Sousa, co-arguido.
O senhor José Paulo é um dos meus primos mais queridos. Mas nunca acompanhei a vida empresarial do meu primo. Na altura em que eu era primeiro-ministro ele estava fundamentalmente em Angola. Logo no primeiro interrogatório disse que eu não sabia que ele tinha contas na Suíça. Nunca me interessei pela vida empresarial do meu primo. Sou um político, ou fui um político, nunca me interessei pela vida empresarial"
A Magistrada perguntou a Sócrates se Carlos Santos Silva, amigo do ex-primeiro-ministro acusado de ser seu testa-de-ferro, conhecia o primo José Paulo Pinto de Sousa, o principal arguido respondeu afirmativamente. "Talvez desde o princípio dos anos 80", disse Sócrates que declarou não se lembrar desde quando ambos se conhecem. "O Carlos Santos Silva é meu amigo há muitos anos. Ele teve uma discoteca na Covilhã. Já nessa altura era empresário", disse.
Sócrates afirmou ainda que enquanto exerceu funções governativas, limitou-se a ter relações familiares com o José Paulo Pinto de Sousa: "ele vivia em Angola".
Sobre Hélder Bataglia, antigo administrador do BES, Sócrates revelou que o empresário teve uma filha com uma prima do ex-primeiro-ministro e afirmou que Bataglia se recusou no primeiro ano a dar o nome à criança: "É por isso que nunca tive simpatia por esse senhor", afirmou à juíza que perguntou: "sabe se Hélder Bataglia teve negócios com o seu primo?"
"Sei que teve, mas o meu primo nunca me perguntou opinião, ele sabia qual iria ser a resposta", afirmou -Sócrates.
Recorde-se Bataglia declarou no inquérito ter transferido milhões de euros para uma conta de Carlos Santos Silva, a pedido de Ricardo Salgado, o que levou o Ministério Público a acreditar num esquema de corrupção, envolvendo Sócrates.
Instado pela juíza-presidente a responder aos detalhes narrados na acusação do Ministério Público, sobre a OPA da Sonae sobre a PT, Sócrates voltou a dizer o que afirmou no primeiro dia do interrogatório.
Três dias antes da assembleia-geral da PT, o então secretário de Estado produziu um despacho que manteve neutralidade na questão da OPA da Sonae sobre a PT. "O Estado votou pela abstenção. O Ministério Público acusou-me de receber dinheiro para manipular o voto da Caixa Geral de Depósito. É falso. Eu provei a minha inocência".
A juíza lembrou que, na véspera, Sócrates tinha afirmado que nunca tinha falado com ninguém da CGD sobre a OPA. "Sim. Se perguntarem aos membros do Conselho de Administração, todos confirmam que nunca receberam nenhuma indicação", afirmou Sócrates.
A juíza citou um item da acusação que garante que Sócrates instigou uma reunião entre o ex-ministro das Obras Públicas, Mário Lino, e um elemento da administração da PT, destinada, alegadamente, a influenciar a posição da PT sobre a OPA da Sonae. Recorde-se que o antigo governante é acusado de ter usado a sua influência para beneficiar os interesses do BES, de Ricardo Salgado, que era um dos maiores acionistas da PT.
"Se houve uma reunião entre o ministro [Mário Lino] e um membro da administração da PT, desconheço. É mentira dizer que José Socrates estava por detrás desta reunião. Poderá ser perguntado ao engenheiro Mário Lino", afirmou o ex-primeiro-ministro, que voltou a acusar o MP de leviandade na investigação.
A juíza presidente explica a José Sócrates que o tribunal vai fazer perguntas ao ex-primeiro-ministro e de que forma vão decorrer o segundo dia do interrogatório: "é o tribunal que vai decidir quais são as perguntas que lhe vão ser feitas e o arguido pode ou não responder", disse Susana Seca, explicando que vai ser exercido o contraditório em relação às afirmações efetuadas na sessão de ontem
Sócrates agradeceu à magistrada: "isto ajuda a perceber as regras, isto é fair-play, agradeço esta explicação", disse o ex-primeiro-ministro que pediu um esclarecimento: "não posso dizer essa pergunta é idiota? É isso? Darei o meu melhor".
A juíza-presidente perguntou a Sócrates em que circunstâncias conheceu Zeinal Bava, ex-adminsitrador da antiga PT e co-arguido.
"Não me recordo em que circunstâncias o conheci. Não me recordo ter estado com Zeinal Bava numa reunião", afirmou José Sócrates.
A juíza citou a acusação para perguntar ao ex-primeiro-ministro se Zeinal Bava integrou uma comitiva governamental que fez uma deslocação ao Brasil.
"Não. Zeinal Bava não integrou comitiva nenhuma do governo. Isto foi uma cimeira entre Portugal e Brasil. A PT mandou quem entendeu. Mas este era o tipo de evento em que possa ter tropeçado em Zeinal Bava. Pode ter acontecido, em representação da PT".
Susana Seca perguntou ainda ao principal arguido da Operação Marquês se este manteve uma reunião com Belmiro de Azevedo, da Sonae, enquadrando a questão sobre a OPA da empresa à PT.
"Tive essa reunião", confirmou Sócrates que explicou: "o engenheiro Belmiro de Azevedo acreditava que tinha uma solução para cada um dos problemas do país e disse-me que queria fazer uma OPA sobre a PT. Eu disse-lhe que a posição do governo ia ser de total neutralidade".
"Nós acreditávamos que o monopólio da PT tinha de acabar", afirmou o antigo governante que esclareceu que a separação entre o cobre (telefone) e o cabo (televisão), no âmbito da OPA, foi a entidade reguladora, descartando assim responsabilidade do executivo de Sócrates no "spin off".
O antigo primeiro-ministro diz-se ansioso para debater com o Ministério Público. À entrada para a terceira sessão do julgamento do processo que resultou da Operação Marquês, um caso que correu os tribunais ao longo dos últimos dez anos, Sócrates diz-se ansioso para debater com o Ministério Público, de quem espera as provas que diz não terem sido apresentadas na última década.
Foi um “animal feroz” que, na terça-feira, prestou declarações no Tribunal de Lisboa, onde está a ser julgado por corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal. Perante as juízas, José Sócrates impôs a escolha do tema que já trazia preparado: os factos relativos à Portugal Telecom (PT) e ao BES, negando todas as acusações, apesar de ter deixado escapar uma ou outra contradição. Hoje, no terceiro dia de julgamento, José Sócrates tem uma tarefa mais difícil. Vai ser confrontado com as perguntas do Ministério Público sobre os oito milhões de euros que terá recebido do seu amigo Carlos Santos Silva e que serão, segundo a acusação, dividendos da corrupção.
“Estou absolutamente disponível para falar do circuito do dinheiro, desde que seja o meu. O dos outros terão de responder eles”, afirmou, ontem, o antigo governante no final da longa sessão de julgamento, marcada pelas explicações de Sócrates sobre o seu papel na estratégia da PT nas relações com o BES, a Caixa Geral de Depósito (CGD), além das empresas de telecomunicações Vivo e a Oi.