Com baixa escolaridade para a idade, sem acompanhamento em casa, alguns com menos de 12 anos e muitos à mercê de "firmas" que, usando a alimentação e o alojamento como isco, aliciam para o crime. É este, em suma, o retrato geral dos jovens delinquentes que resulta do relatório final da comissão que analisou o fenómeno.
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O documento da Comissão de Análise Integrada da Delinquência Juvenil e da Criminalidade Violenta (CAIDJCV), coordenada pela anterior secretária de Estado da Administração Interna, Isabel Oneto, foi divulgado online esta quarta-feira, ao fim de mais de um ano e meio de trabalho que incluiu a audição de jovens e de especialistas de diversas áreas.
O relatório confirma que a larga maioria dos menores com medidas tutelares educativas mais graves ou já, por terem entre 16 e 18 anos, sob alçada da Justiça penal é originária da Área Metropolitana de Lisboa, mas acrescenta dados novos. Entre estes, está a constatação, de forma indiciária, do baixo grau de escolaridade dos delinquentes juvenis.
Entre os 243 adolescentes entre os 12 e os 16 anos que, em 2022, passaram a ter acompanhamento educativo ou foram internados em centros educativos, mais de um quarto só tinha completado o primeiro ciclo, concluído habitualmente aos 10 anos.
Já 38,1% dos 277 que tinham então entre 16 e 21 anos e foram presos, sujeitos a vigilância eletrónica ou passaram a ser acompanhados por equipas de reinserção, havia somente completado o segundo ciclo, terminado, por norma, aos 12 anos. E apenas 13% tinha o ensino secundário, cujo fim coincide com o término da escolaridade obrigatória e, paralelamente, a entrada na maioridade.
O reforço da "oferta formativa/escolar" nas prisões é, de resto, uma das mais de 50 recomendações, no total, feitas pela comissão.
Várias recomendações
Embora não estabeleça de forma explícita uma relação entre contextos sociais e a delinquência juvenil, a CAIDJCV propõe ainda várias medidas para colmatar falhas em territórios vulneráveis, nomeadamente o alargamento do programa Escolhas na Área Metropolitana de Lisboa, já em curso, e dos centros de apoio familiar e aconselhamento parental em todo o país, entretanto inserido na Estratégia Nacional de Combate à Pobreza.
As medidas vão ao encontro do alerta dos especialistas para a falta de acompanhamento familiar dos jovens, deixando-os expostos às "firmas". Em causa estão "grupos criminosos coordenados por adultos", com "um nível de organização similar ao de uma 'empresa'", e que, ao fornecerem alimentação e alojamento, "se constituem como fortes componentes de aliciamento" quer antes da entrada dos adolescentes num centro educativo quer aquando da sua reintegração social uma vez cumprido o internamento.
"De acordo com o abordado, muitas vezes estas organizações estão associadas à criminalidade grupal e com recurso ao meio digital", lê-se no relatório.
Mais atenção e apoio
A dificuldade das escolas em detetar e apoiar em alunos em risco foi outra das questões apontadas pelos especialistas e igualmente atendida pela CAIDJCV. Exemplo disso é a proposta para a constituição nos estabelecimentos de ensino de equipas técnicas com mediadores e animadores socioculturais, educadores e assistentes sociais e psicólogos.
Segundo o documento, nos primeiros dez meses de 2023, 64 crianças com menos de 12 anos foram identificadas pela GNR e pela PSP por crimes praticados em grupo, um aumento face ao ano anterior.
"A análise [...] reflete também a existência de diversos momentos no desenvolvimento dos jovens que podem constituir-se como oportunidades cruciais para a intervenção onde pode (ou não) ser efetivamente 'feita a diferença', de modo a prevenir que crianças e jovens evoluam em trajetórias desviantes e criminais", sublinha a comissão.
A CAIDJCV vai permanecer em atividade pelo menos até 30 de junho de 2025, para monitorizar a aplicação das suas recomendações.