Magistrado agendou para 21 de fevereiro de 2022 o início das audições. Acusação foi conhecida há ano e meio e há agora mais cinco arguidos. Ricardo Salgado tem dez dias para explicar o porquê de ter requerido a audição de 82 pessoas já nesta fase.
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Cerca de um ano e meio depois de o Ministério Público ter acusado 25 pessoas, incluindo o ex-banqueiro Ricardo Salgado, no processo principal sobre a queda do BES/GES, o juiz Ivo Rosa decidiu cortar nas testemunhas arroladas pelos arguidos para evitar a prática de "atos inúteis" e acelerar a instrução do caso, requerida por 16 arguidos. As primeiras audições estão agendadas para 21 de fevereiro de 2022, no Campus de Justiça de Lisboa.
Num despacho da última quarta-feira, o magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal aceitou inquirir somente dez das 47 testemunhas arroladas por quatro dos arguidos. E deu dez dias a Ricardo Salgado e ao seu ex-braço-direito no Banco Espírito Santo (BES), Amílcar Morais Pires, para justificarem o porquê de terem requerido a audição de, respetivamente, 82 e 74 pessoas, alertando que, tal como decidiu quanto aos restantes arguidos, só aceitará duas testemunhas "por cada facto ou conjunto de factos".
No documento, a que o JN teve acesso nesta quinta-feira, Ivo Rosa justifica a sua posição com o facto de ter o dever de, sem pôr em causa "a descoberta da verdade material" e "a realização da justiça", "providenciar" pelo "andamento célere" do processo e "evitar a prática de atos inúteis ou com efeitos meramente dilatórios".
Para poupar tempo, o juiz decidiu ainda que as testemunhas residentes no estrangeiro só poderão depor "através de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real", como o Skype. O objetivo é "evitar" o recurso aos "mecanismos de cooperação judiciária internacional", que, lembra Ivo Rosa, são "muitas vezes demorados".
As diligências vão, ainda assim, decorrer somente na última semana dos meses de fevereiro, março e abril de 2022. É expectável que, em breve, sejam agendadas mais datas para a inquirição das testemunhas de Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires.</p>
Mais cinco arguidos
Entre as primeiras audições, está o interrogatório de cinco gestores intermédios de agências do BES que, em julho de 2020, tinham sido ilibados pelo Ministério Público e que, agora, foram constituídos arguidos por decisão de Ivo Rosa, a pedido de dois assistentes no processo que requereram a abertura da instrução. São suspeitos de abuso de confiança, burla qualificada e infidelidade.
O processo conta, assim, com um total de 30 arguidos, que, no final da instrução, poderão seguir, ou não, para julgamento. A decisão só será tomada depois de terminadas todas as inquirições e da realização do debate instrutório, destinado à apresentação de conclusão pelas partes. Só este último e a comunicação da decisão instrutória deverão decorrer à porta aberta, em data a agendar.
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Ricardo Salgado, de 77 anos, responde por 65 crimes: 29 de burla qualificada, 12 de corrupção ativa no setor privado, nove de falsificação de documento, sete de branqueamento, cinco de infidelidade, dois de manipulação de mercado e um de associação criminosa. Entre os restantes arguidos estão, além de mais dois elementos da família Espírito Santo e de Amílcar Morais Pires, sete entidades coletivas, com ramificações no estrangeiro.
Com as suas ações alegadamente ilícitas, os 25 acusados terão, segundo o Ministério Público, causado mais de 11,8 mil milhões de prejuízos ao BES e ao Grupo Espírito Santo (GES). Os factos só foram detetados a partir de 2014, ano em que o GES ruiu, mas terão sido praticados ao longo dos anos anteriores. Há ano e meio, Ricardo Salgado, entretanto diagnosticado com Alzheimer, negou a prática de qualquer crime e garantiu ter sempre posto "os interesses do BES acima de quaisquer outros".
Em 2014, a insolvência do banco e do GES lesou milhares de clientes do BES, dos quais 123 são assistentes no processo atualmente em curso, que, dada a sua complexidade, se tem arrastado na Justiça.
Tradução demorou oito meses
Só a investigação, liderada pelo Ministério Público, durou cerca de seis anos. A 14 de julho de 2020, foi finalmente proferida a acusação, mas o facto de três arguidos serem suíços obrigou a que o despacho, com mais de quatro mil páginas, fosse traduzido para francês. O trabalho demorou mais de oito meses a ser concluído e só depois começou a contar o prazo para os arguidos requerem a abertura da instrução. O período chegou ao fim em setembro de 2021 e, um mês mais tarde, a instrução foi distribuída, por sorteio eletrónico, a Ivo Rosa, então um dos dois únicos juízes colocados no chamado "Ticão".
Em novembro de 2021, o magistrado reuniu com todas as partes, apontando para a última semana de janeiro de 2022 o início das diligências. Entretanto, o tribunal mudou de instalações e, segundo o despacho proferido na quarta-feira por Ivo Rosa, somente a 14 de janeiro foram instaladas estantes para arrumar o processo, composto por centenas de volumes.
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No documento, Ivo Rosa invoca, de resto, a complexidade do processo para só agora agendar as inquirições, pedir a Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires que especifiquem sobre o que irão falar as suas testemunhas e notificar várias entidades para disponibilizarem, a pedido de vários arguidos, mais documentação.
Além deste caso, o juiz tem ainda a seu cargo a instrução da "máfia do sangue", relacionado com monopólio do negócio do plasma, e a tramitação do expediente da Operação Marquês, cuja instrução dirigiu durante mais de dois anos. Todos os seus outros processos foram redistribuídos por outros juízes.