O juiz desembargador Joaquim Neto de Moura, que em 2017 gerou polémica por ter citado a Bíblia e o Código Penal de 1886 para não agravar uma pena num caso de violência doméstica, jubilou-se.
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O despacho de aposentação/jubilação do magistrado, colocado desde 2013 no Tribunal da Relação do Porto, foi publicado esta quinta-feira em "Diário da República" e determina que a cessação de funções ocorre no próximo domingo, 1 de outubro de 2023.
Neto de Moura completou 67 anos em abril deste ano e é juiz desde 1987.
Apesar de durante a carreira ter, por exemplo, integrado o coletivo de juízes do Tribunal do Funchal que, em 1993, condenou o padre Frederico a 13 anos de prisão por homicídio e abuso sexual de crianças e adolescentes, foi apenas em 2017 que ganhou fama, após a divulgação de um acórdão do qual foi relator e no qual desvalorizou uma situação de violência doméstica contra uma mulher por esta ter traído o marido.
A vítima foi agredida pelo marido e sequestrada pelo amante, tendo os dois homens sido condenados pelo Tribunal de Felgueiras a pena suspensa. Inconformado, o Ministério Público recorreu para o Tribunal da Relação do Porto a pedir mão mais pesada para os arguidos.
Neto de Moura e uma outra juíza (como adjunta) mantiveram a pena aplicada em primeira instância, mas foi sobretudo a argumentação usada pelo magistrado que causou celeuma e originou, até, manifestações com centenas de pessoas contra o acórdão, então visto como revelador de um "problema sistémico" na Justiça portuguesa.
Em causa esteve o facto de os magistrados terem invocado, para não agravar a condenação dos agressores, passagens da Bíblia e o Código Penal de 1886 que justificavam a violência sobre mulheres adúlteras, incluindo a sua morte. Mais tarde, admitiria que "poderia ter evitado algumas afirmações", ainda que insistindo que o uso da Bíblia na decisão não fora "despropositado".
"Miseravelmente enxovalhado"
Já em 2019, Neto de Moura acabou por ser alvo de uma advertência registada por parte do Conselho Superior da Magistratura - confirmada posteriormente pelo Supremo Tribunal de Justiça -, por violação do dever de correção.
No mesmo ano, e após novo acórdão polémico sobre violência doméstica, o juiz foi transferido pelo então presidente do Tribunal da Relação do Porto, Nuno Ataíde das Neves, da secção criminal para a cível, onde não se julgam processos de violência doméstica, para "preservação da confiança dos cidadãos no sistema de Justiça".
A decisão foi "consensual" e, na altura, Neto de Moura afirmou à TSF que, "depois de ser miseravelmente enxovalhado, havia que fazer o possível para preservar a instituição".
Mais recentemente, passou a assinar como "Joaquim Moura", aparentemente para escapar à má fama. No despacho do Conselho Superior da Magistratura publicado esta quinta-feira em "Diário da República", datado de 21 de setembro, é identificado pelo seu nome completo: Joaquim Neto de Moura.